Capítulo 6 • Ela voltou

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Os holofotes iluminavam o centro do palco, onde eu estava, sentado diante de um piano avermelhado de cauda. Cuidadosamente, ajustei os papéis de notas, e respirei profundamente. 

Acalme-se Alex, ela está te olhando. Todos estão.

O local estava praticamente lotado. Esse ano teve mais espectadores do que os anteriores. Isso era perfeito.

Essa música que escolhi vai muito além do que essa performance orquestral; era uma tentativa de reacender uma chama musical no coração da Eva, apesar das agressões vinda da mãe. Eu praticamente implorei ao grupo musical da escola Brave, liderado por Mike (amigo de infância), para tocá-la, afinal era sua música preferida: Take Me To Church do Hozier.

Eu dei início cantando e o piano seguia acrescentando os intervalos vazios, a cada final de verso. Finalmente, eu tinha começado. Não demorou muito, os holofotes banhavam os restantes dos instrumentos. O primeiro a me acompanhar foram os violinos, delicados e suaves, apresentando-nos um verdadeiro gosto amargo da dor. Até que no refrão os violoncelos e os metais deram suas caras com um profundo toque de agressão, injetando uma sensação de desconforto nos arcos do violoncelo batendo nas cordas.

Entretanto, logo foi suavizada sua exuberância melódica, ajeitando-se nos versos e na minha voz, eu a fazia na tonalidade ideal, mas no refrão eu subia as casas e dava vitalidade a cada palavra dolorosa. A harmonia nos instrumentos presentes alimentavam os êxtases dos ouvintes, juntamente com os acordes graves e a suavização melódica, lançando de mão uma performance majestosa. 

Você entende, querida? Você vê a mensagem que quero te passar? Será se eu consigo preencher seus traumas e a escuridão no seu peito com a melodia mais linda do mundo?

Quando chegou ao fim, abruptamente o silêncio se instaurou, e um calafrio congelante subiu a espinha, mas, subitamente, uma explosão de gritos e de aplausos romperam com ele. Era isso. Eu levantei e referenciei a plateia, esperando enxergar a Eva. No entanto, não a vi em seu assento.

Rapidamente sai da plateia, acenei que já voltava para o Mike, e dei de cara com uma garota de cabelos escuros exageradamente longos e olhos de mel, mas não era a Eva – Ema? – Perguntei desordenado.

– Oiii papai! – Ela disse escandalosamente enquanto corria para me abraçar. – Eu realmente estava com muita saudades. Aliás, eu vi o show que você fez no palco – Ela olhou para o piano. – Não sabia que tinha voltado a tocá-lo. 

– Se você voltou, então…

Ela concordou com a cabeça animadamente.

– Ela veio aqui?

– Era pra ser uma surpresa.

Arfei, soltei-me furiosamente de seu abraço e avancei para a porta, mas sua frase me fez recuar e olhar para seu rosto.

– Elas já foram papai, e você não vai conseguir encontrá-las a tempo. – Eu conhecia essa cara que ela fazia, e odiava, não, detestava, repugnava com todas as células do meu corpo, uma expressão de superioridade, uma que você sente que ela não te vê como nada mais do que um ratinho para controlar. Eu retribuí com desgosto.

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Eu sabia para onde elas estavam indo. Para onde mais uma mãe desnaturada levaria sua filha com problemas psicológicos? Óbvio. Eu dirigia como nunca, ultrapassei quem fosse, aumentava velocidade, exposto a receber multa, mas não me importava, ao passo que, surgiam as lembranças dela novamente naquele lugar, uma onda de raiva crescia dentro de mim.

Quando finalmente cheguei, vi Karen puxando-a pelos braços. Velozmente sai do carro, corri e interrompi. Em seguida, fiz Karen soltá-la, e segurei sua mão. Ela estava trêmula, rosto atônito, olhos assustados e encharcados.

Eu a abracei tão forte que, finalmente, ela se sentiu segura para se acalmar.

– Era por isso que você praticamente me implorou a guarda completa? – Eu despejei um olhar venenoso, mas ela continuou com um sorriso gélido. – O que é isso? Alguma tentativa fútil de saciar seu ego de pai frustrado?

Eu sussurrei no ouvido de Eva – Vá para o carro e tranque a porta, eu já vou levar a gente pra casa tá? Vai ficar tudo bem –Ela concordou com a cabeça e foi. 

– Eii, espere!! Por que ela tá indo embora?

– Pra não ficar ouvindo tu bostejar pela boca. – Karen virou seus olhos para mim.

Durante nosso casamento, eu estava absolutamente afundado na dependência emocional e financeira dessa Bruxa. Minhas economias, naquele tempo, não supriam completamente minhas necessidades e da Eva, com seus brinquedos e passeios, juntos. Contudo, dessa vez é diferente, suas chantagens não funcionam mais. 

– Por que você voltou?

– Antes era porque a Ema tava com saudades do Pai ausente de merda que ela tem, mas… – Ela arfou – Descobrimos algo muito ruim.

– Ótimo, eu sei que você resolve, você é rica. – Me virei.

– Ema tá com Leucemia. – Congelei.

– O quê? – Revirei.

– Descobrimos a um tempo, ela está em tratamento, mas eles não surtem o efeito desejado. – Ela tateou sua testa em estresse – Você sabe o que pode salvá-la. Se a Eva for compatível.

– Ótimo, e a única pessoa que tu precisa, você a quer interná-la no hospital psiquiátrico?!

– É claro!! Se ela quiser fugir quando souber? Ainda mais, ela ainda é menor. 

– Sim, ela é e adivinha cadela, apenas eu tenho a guarda dela.

Karen franziu sua testa e retrucou irada. – Ema também é sua filha, Alex! 

– Claro, assim como a Eva.

– Você é um monstro, Alex – Ela grunhe de raiva – Nossa única filha, que nos traz orgulho, e você vai negligenciá-la assim? Por causa da outra?

Meu pavio atingiu o limite – Primeiro, parabéns por ser uma bela filha da puta, segundo, eu nunca vou tratar essa situação em descaso, não sento no capiroto como você. Eu considero a opinião de ambas. E em terceiro, não apareça na minha casa, que agora é minha, nunca! Caso venha acontecer – Eu a olhei incisivamente – Você não vai querer saber disso. 

– Alex, ela vai contribuir com a doação do implante, eu te garanto isso! – Ela disse alto enquanto voltava para o carro.

Bati na janela e vi Eva encolhida entre o banco da frente e o de trás. Ela me olhou e sorri. Depois de abrir a porta e seguimos para casa, pedi pizza para nós dois. Em seguida, sentamos no sofá e assistimos algum filme antigo de terror. 

Mesmo que ela esteja tentando esquecer o que acabara de acontecer, não podia deixar assim. Eu precisava tocar nesse assunto, mesmo que tenham se passado anos, será que estou preparado para falar sobre sentimentos com ela? 

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