08

1.3K 70 0
                                    


- Está nervosa? - perguntou Pedro Portilla, observando a filha servir-se de café.

Era uma perfeição, pensou, orgulhoso. A massa de cabelos loiros e brilhantes estava presa para trás com uma tiara e descia pelas costas delicadas. O conjunto cinza-chumbo de calça e jaqueta realçava a elegância natural do corpo delgado. O rosto, tão parecido com o da mãe, era sereno e belo.

Sim, concluiu, era perfeita e adorável. Uma mulher no auge de sua beleza. Por que era tão difícil para os pais constatarem que os filhos cresceram? Perguntou-se, com melancolia.

- Por que deveria estar nervosa, papai? Quer mais café?

- Sim, obrigado. Porque hoje é o dia D. Dentro de algumas horas, será proprietária de um imóvel, com todas as alegrias e problemas que isso implica.

- Estou ansiosa! - Anny sentou-se e começou a mordiscar o pãozinho que torrara para o café da manhã. - Planejei tudo com muito cuidado.

- Sempre age assim. Não é novidade.

- Estou ciente de que é um risco usar a maior parte das minhas economias nesse investimento. Mas sei que posso arcar com as despesas do projeto pelos próximos cinco anos.

Pedro aquiesceu, comentando:

- Tem o tino comercial de sua mãe.

- Agrada-me pensar que sim. E também gostaria de ter sua habilidade de professor. Afinal, sou uma artista, filha de pais artistas. E o pouco que lecionei em Nova York despertou meu interesse para ensinar. - Anny acrescentou leite ao café. - Estou me estabelecendo em minha cidade natal, onde tenho sólidos contatos com a comunidade.

- Sem dúvida!

Anny largou o pão e pegou a xícara com café.

- O nome dos Portillo's é muito respeitado, e sou conhecida no mundo da dança. Estudei bale por vinte anos, suei e penei durante centenas de aulas. Devo saber o suficiente para ensinar.


- É claro!

Anny suspirou. Tinha certeza de que não enganava o pai. Ele a conhecia de dentro para fora e era um homem sábio.

- Muito bem, papai! Sabe o que é sentir um nó no estômago quando se morre de medo?

- Sei.

- Pois eu sinto um aperto na garganta também. Não fiquei nervosa desse jeito nem na primeira vez que fiz um solo de dança.

- Porque jamais duvidou de seu talento. Agora está pisando em terreno desconhecido, meu bem. - Cobriu-lhe a mão com a sua. - Aliás, ficaria preocupado se não se sentisse assim.

- E também preocupa-se que eu esteja cometendo um erro.

Pedro apertou os dedos da filha.

- Não é bem isso. Temo que, em breve, sinta falta de se exibir no palco outra vez. Que tenha saudade da companhia de bale e da antiga vida. Eu preferia que tivesse esperado um pouco mais para tomar a decisão de parar e assumir novas responsabilidades. Por outro lado, estou radiante que esteja de volta.

- Bem, pode ficar sossegado. Quando assumo uma tarefa, vou até o fim.

- Sei disso também.

E isso era uma das coisas que o preocupava, pensou, mas não expressou o pensamento em voz alta.

Anny voltou a mordiscar o pão e sorriu, mudando de assunto:

- Então, conte-me sobre os planos de reforma da cozinha.

Pedro fez uma careta e olhou em volta, passando a mão por entre os cabelos negros, entremeados de fios prateados.

- Não estou de acordo. Sua mãe está com essa mania de reformas. Só fala em mudar isso e aquilo, e em Alfonso Herrera. O que há de errado com a nossa cozinha?

- Nada, além do fato de que ela é a mesma de vinte anos atrás.

- E daí? É maravilhosa e muito confortável. Mas Alfonso teve que chegar e dar uma série de palpites para encher a cabeça de sua mãe!

Anny sufocou uma risada ante o desespero do pai, mas mostrou-se solidária.

- Sabe como são os empreiteiros, papai.


- E estão falando em janelas arredondadas. Já temos uma janela normal! - Pedro fez um gesto em direção à pia. - Está ótima. Pode-se olhar através dela à vontade. Ouça o que digo, aquele rapaz seduziu sua mãe com promessas de revestimentos em carvalho.

Dessa vez Anny riu de verdade e apoiou um cotovelo sobre a mesa.

- Fale-me sobre Herrera, papai.

- Trabalha bem. Mas nem por isso quero que venha pôr abaixo minha cozinha

- Mora na cidade há muito tempo?

- Cresceu aqui perto, mas partiu com vinte anos. Foi para Washington trabalhar em construções.

Anny não conseguia vencer a curiosidade.

- Ouvi dizer que tem um filho.

- Sim, Arthur. A esposa de Alfonso morreu há vários anos. Tenho a impressão que ele voltou para educar o menino perto da família. Regressou faz um ano, acho. Logo adquiriu a reputação de executar trabalhos de qualidade. Fará um bom serviço na sua escola de bale.

- Se eu resolver contratá-lo - enfatizou Anny.

Imaginou Alfonso com roupas de trabalho, mas não ousou contar ao pai o que pensava. Teria apenas um relacionamento profissional com o empreiteiro. Mas, de qualquer modo, imaginava que devia ficar muito bonito manejando suas ferramentas.

I really like youOnde histórias criam vida. Descubra agora