33 e 34

1.1K 71 2
                                    


No dia seguinte Anny foi até o prédio em reforma na hora do almoço, e depois disso as visitas diárias tornaram-se um hábito. Levava sanduíches, refrigerantes e café para Alfonso e os operários.
Isso podia ser considerado uma espécie de suborno, e era assim que Alfonso pensava. Essas gentilezas tendiam a deixar seus homens mais pacientes e cooperativos quando Anny os bombardeava com perguntas, ou pedia mudanças no que já fora combinado.

Mas isso não o impedia de aguardar com ansiedade suas visitas, ou planejar o trabalho de modo a gastar vinte minutos ou meia hora passeando com ela pela cidade, ou tomando um café ao ar livre no restaurante ali perto.

Sabia que seus operários trocavam olhares maliciosos e cutucavam-se sempre que saía com Anny. Porém, como cursara o ginásio com quase todos eles, entendia que os comentários faziam parte da camaradagem.

E quando flagrava um deles olhando para as pernas ou os seios de Anny, bastava um olhar gelado para que o culpado baixasse a cabeça e voltasse ao trabalho.

Mas Alfonso não conseguia entendê-la. Fazia as visitas à obra vestida como se tivesse saído das páginas de uma revista de modas. Perfeita e feminina. Entretanto, caminhava pela poeira e o cimento como se fizesse parte da equipe de operários, fazendo perguntas até sobre a fiação elétrica.

Certa vez Alfonso a surpreendeu em um acalorado debate sobre beisebol com um dos homens. Uma hora depois, ouviu-a falar no celular em francês fluente e sem sotaque. Era uma mulher fora do comum, pensou. Depois de duas semanas naquela rotina, ainda não conseguia decifrá-la, nem conseguia tirá-la do pensamento.

Alfonso voltou à realidade e ficou observando-a perambular pelo salão. Anny usava um suéter azul-marinho sobre uma calça branca. Os cabelos estavam presos no alto da cabeça de maneira displicente e sexy.

O cômodo estava aquecido, graças ao novo sistema de calefação, e Alfonso trouxera amostras de madeira para as vigas do teto.

- O pedreiro está fazendo um trabalho perfeito - comentou Anny, depois de inspecionar as paredes. - Sinto-me culpada por pretender cobrir quase tudo com espelhos.

- E os vidros chegarão em meados de fevereiro.

Anny pegou a amostra de madeira.

- É linda, Poncho. E nem vai se notar quando misturar-se à antiga.

- E essa a idéia.

- Sim. - Anny deixou a peça de lado e encarou-o. - Está indo bem rápido, no tempo previsto, mas... - Aproximou-se dele. - Gostaria de vê-lo em particular.

- Leva tempo para se colocar as estruturas.

- Depende do que planeja construir. - Colocou as mãos nos ombros fortes. - Quero um encontro.

-Já almoçamos
— Outro tipo de encontro. Do tipo que gente grande tem de vez em quando. Jantar, talvez um cinema. Para sua informação, muitos restaurantes ficam abertos de noite também.

— Já ouvi dizer. Escute, Anny... — Alfonso deu um passo atrás, mas ela o seguiu. — Eu tenho Arthur, preciso ajudá-lo nos deveres de casa e... outros problemas domésticos.

— Sim. Arthur. Adoro ficar com ele, mas desejo ficar um pouco a sós com o pai também. Não acredito que seu filho vá ficar chorando se sair uma vez à noite. Aliás, é isso mesmo que vamos fazer. Sexta-feira à noite. Vamos jantar. Deixe que eu faço a reserva no restaurante. Vá me buscar às sete horas. Depois, no sábado à tarde, iremos ao cinema e levaremos Arthur. As entradas são por minha conta, e dessa vez eu irei buscá-los. Combinado?

Alfonso deixou que ela fizesse toda a programação, antes de falar:

— Não é assim tão simples, Anny. Terei de providenciar uma baby-sitter, e não sei se...


Alfonso voltou-se ao ver a porta se abrir, com uma expressão de profundo alívio pela interrupção.

— Papai! — Como um raio, Arthur atirou-se em seus braços. — Vimos a picape, e a sra. Chavez disse que podíamos parar. Oi, Anny! — Pôs no chão a mochila com os desenhos de Guerra nas Estrelas e exclamou, encantado: — Nossa! Faz eco aqui! — Gritou de novo: — Oi, Anny!

Ela teve de rir, e levantou o menino nos braços.

— Oi, bonitão! Pronto para me dar um beijo?

— Não... — respondeu ele sorrindo e baixando a cabeça loura, mas era óbvio que desejava receber o carinho.

— Esse é um grave problema dos homens de sua família. — Colocou-o de volta no chão, enquanto uma mulher, um menino e uma menina entravam.

— Alfonso, vi sua picape e pensei em deixar Arthur aqui. A não ser que deseje que fique com ele mais um pouco.

— Não, foi ótimo, obrigado. — Alfonso voltou-se para Anny. — Maite Chaves... Anahí Portillo...

— De certo modo já nos conhecemos — disse a mulher mais velha —, mas talvez não se lembre de mim. Minha irmã, Zoraia, era amiga de sua irmã Angel.

— Claro que me lembro! — exclamou Anny. — Como vai ela?

— Ótima. Vive com a família em Michigan. É enfermeira. — Mai voltou-se para Alfonso. — Espero que não se importe ter passado por aqui, mas estava curiosa para ver o que está fazendo neste prédio velho.

— Mãe... — disse a menina loura, puxando a manga de Mai.

— Só um minuto, Catarina.

— Darei uma volta pela casa com você — ofereceu-se Anny. — Só tome cuidado onde pisa.

— Eu adoraria, mas temos que correr. As crianças me transformaram em motorista particular. Já sabe quando vai inaugurar sua escola de bale?

— Espero começar com aulas vespertinas e noturnas em abril. — Anny relanceou o olhar para Catarina, percebendo o brilho nos olhos da menina. — Você gosta de bale, meu bem?


— Quero ser bailarina clássica.

— Toda emplumada — resmungou o irmão.

— Olhe só, mamãe! — reclamou Catarina.

— Diego, fique quieto! Desculpe esse meu filho mal-educado, Anny.

— Não é preciso. Emplumada? — perguntou Anny, virando-se para Diego.

— Sim — disse ele —, porque usam roupas apertadas, às vezes com penas, e andam assim.

O garoto ergueu-se na ponta dos pés e deu uma volta desengonçada.

Antes que Mai pudesse repreendê-lo, e Catarina reclamar, Anny sorriu, balançando a cabeça com compreensão.

— Interessante — disse. — Quantas pessoas conhece que sabem fazer isso?

Assim falando, ergueu uma perna, abraçou a coxa com um dos braços, encostando-a no ombro, o pé apontando para o teto.

Alfonso ficou embasbacado.

I really like youOù les histoires vivent. Découvrez maintenant