012² • CLANDESTINO

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CLANDESTINO















— Aqui tem cheiro de estômago.

Nós olhamos para Kara, que se segura na balaustrada para olhar lá pra baixo, onde a âncora está nos prendendo à... alguma coisa para que não sejamos levados para a coisa enorme e cheia de espinhos que está digerindo embarcações de séculos passados.

— Vai ver é porque estamos em um estômago — minha irmã revira os olhos para o comentário ácido de Letitia. — Deuses, eu realmente devo ter feito algo horrível nessa vida pra acabar morrendo desse jeito.

Ela está jogada no chão, os cabelos e as roupas molhadas grudadas no corpo. Os zumbis que tripulam a embarcação andam de um lado para o outro, tentando não pisar em suas pernas estiradas, enquanto ela mantém os braços cruzados e uma expressão irritada.

Para nossa sorte, ela parou de vomitar hoje de manhã e não teve nenhum outro enjôo além da hora que estávamos sendo engolidos por Caríbdis, mas isso não a impediu de ficar irritada. Para meu azar, seu enjôo foi substituído pela digestão certa.

Nunca vou dizer à ela, mas ser derretida por suco gástrico de um monstro mitológico também não estava na minha lista de maneiras gloriosas de morrer.

Entretanto, me parece melhor do que ser assassinada pela minha namorada.

— Não vamos morrer — digo à ela, que ergue as sobrancelhas, como se perguntasse 'sério?'. — Esse é um lugar muito ruim pra morrer, e ainda precisamos ter nossa conversa sincera.

Ela abaixa o olhar.

— Talvez devêssemos ter agora — sugere, puxando uma alga marinha grudada na camiseta e a jogando para o lado, fingindo que não vê quando um dos zumbis pisa nela e escorrega. Sorrio. —, já que vamos morrer aqui.

Meu sorriso morre e eu reviro os olhos.

— Deuses, Letitia! — ela ergue os olhos, chocada, pelo meu tom de voz alto. — Será que dá pra ser menos negativa só um momento? Eu já falei que vou nos tirar daqui!

— Ah, é, senhorita positividade? — questiona e se levanta, suas roupas escorrem água quando ela marcha até a balaustrada e para ao lado de Kara. — Me fala se você tá vendo alguma saída! Porque eu só tô vendo bucho e mais bucho! Ou seja, a única saída provável caso a gente sobreviva àquele moedor é a pior possível.

O rosto de Kara fica verde.

— Eu prefiro morrer — grunhe.

Aponto o dedo pra ela.

— Você nunca prefere morrer, Lews. Nunca.

Uma risada sarcástica escapa de Letitia.

— Eu prefiro morrer a virar cocô de um monstro — diz, e cruza os braços. — Sério, Clarisse. Vamos encarar os fatos: essa missão já era.

Letitia se afasta de Kara, pegando a beirada de sua camiseta e torcendo enquanto caminha para as escadas que levam à cabine. Minha visão fica vermelha à medida que ela se afasta.

— ESSA MISSÃO NÃO FRACASSOU!

Letitia para.

Kara para.

Os zumbis param.

Estou com a respiração acelerada quando o corpo dela se vira lentamente para mim, as sobrancelhas erguidas e os olhos frios.

— Gritou comigo?

Minhas mãos tremem, mas eu as fecho em punho quando olho em seus olhos, sentindo que os meus próprios estão mais quentes.

did i mention • clarisse la rueWhere stories live. Discover now