Sete

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João voltou a ter uma percepção de si algum tempo depois, não saberia dizer se haviam se passado minutos ou dias. Estava vendado, as mãos atadas atrás, provavelmente amarrado a uma cadeira. Uma brisa soprava ao fundo, e ao seu redor vozes diversas cochichavam. Já estava desperto o suficiente para suspeitar que estava encrencado, por isso deixou a cabeça pendendo para frente, na expectativa de entender algo da conversa. Acabou ouvindo uma voz bem mais alta, grossa e zangada, quase um grito:

– Mas bah, o portuga ainda tá apagado? Acordem ele.

Incontáveis braços sacudiram João, e seu rosto foi destapado. Estava numa espécie de depósito, com paredes de tijolos expostos e portas de ferro pesadas. Diante dele, um homem enorme o observava com ferocidade, fazendo João sentir-se uma ripa de costela, ainda crua no fogo, destinada a ser engolida numa só abocanhada, com osso e tudo. O sujeito nem precisava de apresentações para João reconhecer nele o líder do bando.

– Muito bem, vivente, pode falar. O que veio fazer aqui na nossa terra?

– Vim ver minha irmã.

De imediato, um punho surgido sabe-se lá de onde acertou João na boca do estômago.

– Não me venha com gracinhas tchê, ou te jogamos de cadeira e tudo ali no Guaíba. Vai querer tentar nadar usando só essa tua língua enrolada?

– Não, senhor – João balbuciou, e agora tinha certeza de estar enrascado.

– Então desembucha!

– Sou emissário da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas. Fui enviado ao Brasil para investigar alegadas violações aos direitos humanos cometidas pelo governo brasileiro.

– Alegadas? Não sabe o que Brasília tem feito conosco?

– Eu... Gostaria de saber.

O homem mostrou os dentes num sorriso, dando a senha para todos rirem. Mas logo voltou à sua cara emburrada e os risos pararam na hora.

– Prisões, torturas, assassinatos. Brasília está há anos movendo uma guerra contra nós, sulistas, e tua maldita ONU finge não saber de nada.

João quase retrucou que não sabiam mesmo. Mas seu estômago ainda doía e tinha medo do próximo soco lhe fazer uma úlcera, por isso, ficou em silêncio.

– Tudo porque cansamos de ser explorados e roubados pelo Brasil e decidimos nos rebelar, lutar por liberdade. Mas venceremos, pois o sulista é bravo, invencível. O sul é nosso país.

João testou as cordas que lhe amarravam as mãos. Inútil insistir. Estava firmemente atado à cadeira.

– Podem dar suas armas e seu dinheiro sujo pra esse governo de criminosos. Conquistaremos a independência de qualquer maneira, nem que tenhamos de fazer Brasília inteira voar pelos ares. Certo, rapazes?

Os comandados puseram-se a gritar hurras e vivas, até seu líder os silenciar com um gesto.

– Ficamos felizes com tua visita. Inesperada, mas de grande serventia – agachou-se para ficar cara a cara com João, exalando um hálito azedo – Vamos colocar um gordo resgate sobre tua cabeça. E os dólares de teus chefes, enfim, ficarão a serviço de nossa causa.

João pensou em dizer que não era preciso recorrer à violência. Se negociações fossem abertas, ele diria, a disputa entre governo e separatistas poderia ser resolvida de maneira pacífica. Mas João não conseguiu abrir a boca. Observou aqueles homens todos sem máscara e, em silêncio, deixou-se dominar pelo pavor.

– Cuide bem dele, Alemão – o líder virou-se para ir embora, dirigindo-se a um jovem loiro ao seu lado. Depois do chefe ir embora, João reparou nele. Parecia um gajo tranquilo e sincero, alguém incapaz até de roubar no baralho. Mas João sabia, ele só não roubava por ter consciência de estar ganhando o jogo.

Vermelho como BrasaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora