6. Soldado

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Aquele corredor tinha um fedor peculiar, característico de prisões e celas. Só quem já sentiu sabe como é. O cheiro do medo, de pessoas acuadas. Era novidade para Markus, o jovem que estava sendo arrastado, carregado pelos braços, com seus pés batendo nas pedras irregulares do chão. Não conseguia ver nada, pois, além de estar no limiar da consciência, o capuz em sua cabeça obstruía qualquer feixe de luz. Depois de um tempo incalculável, ele foi jogado em uma cadeira.

As amarras em seus pulsos doíam, a corda áspera atritando contra sua pele fina. Markus não era uma pessoa religiosa, mas o desespero fez com que ele fizesse uma prece para que aquilo acabasse logo, para que seus inimigos tivessem pelo menos um pouco de compaixão. Como se pudesse haver algo do tipo na guerra.

Um grupo separatista o havia cooptado, sendo forçado a se tornar um soldado, mesmo sem ter muito conhecimento de combate. Ele era de uma família rica e influente, nunca sequer pegou em uma enxada na vida. Talvez esse tenha sido o motivo, ser usado como exemplo para o restante dos moradores da província. Se até o filho dos poderosos Kiros está lutando na guerra, todos os outros iriam se sentir obrigados a ajudar. Agora que havia sido capturado, Markus não achava que tinha sido uma boa ideia.

O barulho de passos o fez recuperar um pouco de sua consciência. A porta se abriu e Markus pôde ouvir uma pessoa entrar. Seu coração acelerou e sua respiração ficou ofegante. Ele sentia que sua vida poderia acabar a qualquer instante. Com um gesto brusco, seu capuz foi arrancado de uma vez. A luz da sala, mesmo fraca, o cegou brevemente.

À sua frente havia uma mulher de meia idade, usando um quepe preto e vermelho sobre seu cabelo loiro impecavelmente preso. O uniforme, justo e sem qualquer vinco, dava-lhe um ar de profissionalismo e seriedade inalcançável. Muitos achavam que todo esse esforço era para compensar a estranheza que seu rosto causava, desfigurado por uma cicatriz feia, que retorcia sua boca em uma expressão eterna de escárnio. Ninguém ousava perguntar o que havia por baixo do tapa-olho que usava.

O medo de Markus era tão grande que ele praticamente nem reagiu ao ver a tão conhecida e temida general. O garoto encarava aquela figura imponente, que segurava um pão em sua mão direita.

- Quando vocês foram me chamar, interrompendo meu lanche, achei mesmo que seria algo importante. Foi até bom. Esse pão está duro igual a cabeça de vocês, - e ela jogou o alimento aos pés do prisioneiro.

Os dois soldados permaneceram imóveis e calados. A fama da General Filibust era amplamente conhecida. A melhor torturadora do país. Todos quebravam sob suas técnicas em algum momento. Nenhuma informação era retida. Mas essa sessão seria diferente. Markus não era um libertário treinado como os outros que foram capturados.

- Vou te falar como vão funcionar as coisas aqui, Sr. Kiros. Eu faço uma pergunta e você responde. Estamos de acordo?

O rapaz ficou quieto, respirando apressadamente. Ele encarava aquele único olho castanho, que parecia entrar dentro de sua mente. Sem qualquer aviso, Filibust desferiu um tapa em seu rosto, com as costas da mão. Markus sentiu o gosto do sangue e da humilhação.

- Quando eu perguntar, você responde. Seus pais não te deram educação?

- Sim, senhora, - Markus respondeu, com a voz trêmula.

- Certo. Vamos começar. Qual vai ser o próximo passo de vocês? Onde vai ser a próxima invasão?

Markus engoliu em seco. Ele sabia que essa pergunta seria feita. A guerra tinha chegado a um ponto crucial, onde qualquer movimentação ou decisão poderia ser a chave para a vitória ou derrota. Tentando seguir o que lhe foi instruído, respondeu:

- Eu não sei, senhora.

Filibust fechou seu olho, respirou fundo e passou as mãos pela face, sentindo as ranhuras de sua cicatriz. Impaciente, ela pegou uma faca que estava presa à sua perna. Ela passou seus dedos finos pela lâmina, bem à vista de seu interrogando.

- Eu quero terminar minha refeição logo, Sr. Kiros. Passe-me a informação que eu pedi.

O jovem tremia, alternando seu olhar entre a faca, a general e os soldados. Ele não sabia lidar com a dor, mas também não queria trair seus colegas de batalha. Permaneceu quieto, tentando parecer estoico. A mulher suspirou.

- Eu poderia arrancar suas unhas, torcer seus testículos, colocar óleo quente em orifícios que você nem imagina... Mas estou sem paciência.

Subitamente, ela cravou sua faca na coxa de Markus, que gritou alto. O jovem rebelde nunca havia sentido nada igual, com sua coxa irradiando uma dor aguda para todos os nervos de seu corpo. Sem conseguir aguentar mais, ele soltou:

- Pela costa oeste! Pela costa oeste! O próximo ataque vai ser por lá!

A mulher abriu um sorriso sutil, olhando para os dois soldados. Ela fez um sinal com a cabeça e eles saíram marchando pela porta, fechando-a em seguida. A sós com seu prisioneiro, Filibust se apoiou na cadeira a se aproximou do rosto de Markus. Eles se encararam por alguns segundos e se beijaram ardentemente em seguida.

- Você foi ótimo, querido. Muito convincente.

- Obrigado, - ele respondeu, arfando. - Mas precisava mesmo enfiar essa faca em mim?

- Os soldados precisavam acreditar também, me desculpa. Agora, vamos, - e ela soltou as amarras de seu amado. - Temos um rei para depor.

AUTOR: felipe_gcz

Surto Literário: Devaneios da LCTempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang