2. Dia das Mães

11 10 0
                                    

Remédios

Entro na sala mais comum de uma delegacia. Paredes brancas e iluminação expandida, como uma sala de interrogatório tediosa sempre é. Preciso de pistas. O que há para ser investigado aqui? Um novo interrogatório: é sempre por onde se deve começar.

Puxo a cadeira encostada na mesa e a arrasto. Sento-me de frente para ele. Felipe. Quero encará-lo nos olhos, porém, o adolescente magro e pálido, se encolhe na cadeira de plástico duro. Sua expressão é tão, igualmente confusa, quanto a minha. O fato é simples, só preciso de uma mísera informação.

- Remédios... sempre remédios. - Ele começa a dizer, chorando. - Com qual finalidade minha mãe insiste em me dar tantos? Ela jura que é para o meu bem. Acredita nisso? Diariamente tomo alguns entre o almoço e o jantar. Ah, no café da manhã também. - Relembra.

- Precisamos que ela volte. Você entende isso, Felipe?

- Passei esses dias fingindo que tomei os remédios. Eles não me fazem bem. Sei que ela é uma ótima mãe e que sempre cuida de mim. É zelosa. Eu sempre a amei por existir.

Felipe volta seu olhar ao meu e leva as mãos à cabeça. Apoia os cotovelos sobre a mesa e segura a cabeça por entre as mãos.

Por um momento minha mente vaga em sua mãe. Estamos aqui unicamente em função dela. Onde ela errou? No que ela errou? Quando o certo passou a dar errado?

- Sabe onde ela está agora? - insisto. Sou paciente.

Faz uma hora que estamos aqui, nesse vai e vem de incertezas. Eu sei a resposta final, só preciso de um detalhe crucial.

- Minha mãe?

- Sim, Felipe.

Quero ser mais complacente, mas a situação é incômoda. Desconfortante. Desconcertante.

- Em casa. Deve estar arrumando meu jantar. Ontem, não fui muito obediente no jantar.

Suas mãos tremem, como se estivesse revendo dentro de si, o pesadelo da noite passada. Tão inquieto e indefeso...

Sua mãe ronda meu pensamento novamente.

- Não foi?

- Estou cansado dos remédios. Sei que ela quer me matar.

Seus dedos longos percorrem o cabelo escuro e seus olhos sem vida demonstram que algo não condiz com a verdade. Ele me afeta.

- Você acha?

- Claro! Carlos contou para mim. Ele viu tudo. Vocês não podem deixar que ela me encontre. - implora. A dureza em sua voz é cortante.

Seu corpo se contorce, de que mesmo? Medo? Medo da vida que ele terá, assim que sua mãe aparecer.

- Fique calmo, Felipe. Você está seguro comigo - tranquilo.

- Bem, o que ele exatamente viu? Ele sabe onde ela está? Estou convicto que sim.

- Não. Carlos é quem sabe de tudo.

- Então ele sabe onde ela está?

- Ele sabe.

- Peça a ele que me conte. Só posso lhe proteger se ela for encontrada.

- Ele não quer conversar. Disse que é para o meu próprio bem.

- Felipe, apenas...

- Com licença. - Bruno pede, após abrir a porta da sala.

Ergo meu olhar em direção ao Bruno. Sustento essa minha reação de encará-lo por alguns segundos. Entendo o recado. Levanto-me de onde estou e aviso o Felipe que voltarei em breve. Saio e fecho a porta atrás de mim. Sinto um leve alívio me percorrer. A tensão, agora, sem aparecer, faz com que meus ombros relaxem.

- Encontramos a mãe dele.

- Carlos... você acredita? - suspiro, de modo triste e distante.

- Onde ela estava? - balanço a cabeça de um lado para o outro, em forma de negação. Estou pasmo com tudo.

- Enterrada ao lado de uma árvore no quintal da casa.

- Há muito tempo? - questiono.

- Umas dez horas, imagino - responde Bruno, entregando a mim, um copo com água e três comprimidos.

- Carlos... É, foi o Carlos - concluo.

- Vai interrogá-lo outra vez? Já temos provas -revela Bruno.

- Mas sem uma confirmação. Talvez agora ele conte... Carlos? - falo. Deixo a ironia explícita ao pronunciar a pergunta.

- Carlos... - repete Bruno.

- Carlos confessou o crime. Eu só preciso que Felipe assuma. Preciso que ele assuma que Carlos matou. Que Carlos enterrou, e que Carlos e Felipe são a mesma pessoa.

- Não se esqueça de lhe entregar os remédios. Seu irmão contou que ele não pode ficar sem.

Autora: Giovana C. Pinheiro.

Surto Literário: Devaneios da LCOnde histórias criam vida. Descubra agora