Remédios
Entro na sala mais comum de uma delegacia. Paredes brancas e iluminação expandida, como uma sala de interrogatório tediosa sempre é. Preciso de pistas. O que há para ser investigado aqui? Um novo interrogatório: é sempre por onde se deve começar.
Puxo a cadeira encostada na mesa e a arrasto. Sento-me de frente para ele. Felipe. Quero encará-lo nos olhos, porém, o adolescente magro e pálido, se encolhe na cadeira de plástico duro. Sua expressão é tão, igualmente confusa, quanto a minha. O fato é simples, só preciso de uma mísera informação.
- Remédios... sempre remédios. - Ele começa a dizer, chorando. - Com qual finalidade minha mãe insiste em me dar tantos? Ela jura que é para o meu bem. Acredita nisso? Diariamente tomo alguns entre o almoço e o jantar. Ah, no café da manhã também. - Relembra.
- Precisamos que ela volte. Você entende isso, Felipe?
- Passei esses dias fingindo que tomei os remédios. Eles não me fazem bem. Sei que ela é uma ótima mãe e que sempre cuida de mim. É zelosa. Eu sempre a amei por existir.
Felipe volta seu olhar ao meu e leva as mãos à cabeça. Apoia os cotovelos sobre a mesa e segura a cabeça por entre as mãos.
Por um momento minha mente vaga em sua mãe. Estamos aqui unicamente em função dela. Onde ela errou? No que ela errou? Quando o certo passou a dar errado?
- Sabe onde ela está agora? - insisto. Sou paciente.
Faz uma hora que estamos aqui, nesse vai e vem de incertezas. Eu sei a resposta final, só preciso de um detalhe crucial.
- Minha mãe?
- Sim, Felipe.
Quero ser mais complacente, mas a situação é incômoda. Desconfortante. Desconcertante.
- Em casa. Deve estar arrumando meu jantar. Ontem, não fui muito obediente no jantar.
Suas mãos tremem, como se estivesse revendo dentro de si, o pesadelo da noite passada. Tão inquieto e indefeso...
Sua mãe ronda meu pensamento novamente.
- Não foi?
- Estou cansado dos remédios. Sei que ela quer me matar.
Seus dedos longos percorrem o cabelo escuro e seus olhos sem vida demonstram que algo não condiz com a verdade. Ele me afeta.
- Você acha?
- Claro! Carlos contou para mim. Ele viu tudo. Vocês não podem deixar que ela me encontre. - implora. A dureza em sua voz é cortante.
Seu corpo se contorce, de que mesmo? Medo? Medo da vida que ele terá, assim que sua mãe aparecer.
- Fique calmo, Felipe. Você está seguro comigo - tranquilo.
- Bem, o que ele exatamente viu? Ele sabe onde ela está? Estou convicto que sim.
- Não. Carlos é quem sabe de tudo.
- Então ele sabe onde ela está?
- Ele sabe.
- Peça a ele que me conte. Só posso lhe proteger se ela for encontrada.
- Ele não quer conversar. Disse que é para o meu próprio bem.
- Felipe, apenas...
- Com licença. - Bruno pede, após abrir a porta da sala.
Ergo meu olhar em direção ao Bruno. Sustento essa minha reação de encará-lo por alguns segundos. Entendo o recado. Levanto-me de onde estou e aviso o Felipe que voltarei em breve. Saio e fecho a porta atrás de mim. Sinto um leve alívio me percorrer. A tensão, agora, sem aparecer, faz com que meus ombros relaxem.
- Encontramos a mãe dele.
- Carlos... você acredita? - suspiro, de modo triste e distante.
- Onde ela estava? - balanço a cabeça de um lado para o outro, em forma de negação. Estou pasmo com tudo.
- Enterrada ao lado de uma árvore no quintal da casa.
- Há muito tempo? - questiono.
- Umas dez horas, imagino - responde Bruno, entregando a mim, um copo com água e três comprimidos.
- Carlos... É, foi o Carlos - concluo.
- Vai interrogá-lo outra vez? Já temos provas -revela Bruno.
- Mas sem uma confirmação. Talvez agora ele conte... Carlos? - falo. Deixo a ironia explícita ao pronunciar a pergunta.
- Carlos... - repete Bruno.
- Carlos confessou o crime. Eu só preciso que Felipe assuma. Preciso que ele assuma que Carlos matou. Que Carlos enterrou, e que Carlos e Felipe são a mesma pessoa.
- Não se esqueça de lhe entregar os remédios. Seu irmão contou que ele não pode ficar sem.
Autora: Giovana C. Pinheiro.
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Surto Literário: Devaneios da LC
Random- Um, dois, três, testando... Já posso começar? {Pausa dramática} Quê? Você acha que só porque eu decorei o roteiro, eu não tenho o direito de errar? Tá bom, tá bom! Posso fazer o MEU serviço? Já estão me esperando aqui... (Aff) {Cena reinicia} ...