Capítulo 4

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Carolina não saberia dizer quanto tempo ficou emburrada ali no meio das árvores. Mas depois de muitos pensamentos desagradáveis, avistou Peter Pan se aproximando.

Ele se sentou ao lado dela e bufou, com uma expressão de desdém.

—Só passei para dizer que já almocei, boboca.

—Me desculpa, viu? Não é culpa sua eles terem ido embora. Vocês só tinham sonhos diferentes. —A menina decidiu deixar seu orgulho de lado. Afinal, ela era a mais velha ali. —E não foi certo ter falado aquilo, de qualquer forma.

—Fiz batatas. Estavam ótimas.

—Peter...

—Perfeitamente cozidas e com tempero na medida.

A menina o olhou e suspirou pesadamente.

—Tá bom, eu te perdoo. Essa sua cara de gambá abandonado me convenceu.

—Ai, Peter, eu sou uma péssima adulta. Esqueci de levar caneta para o Enem e fui salva por uma boa alma que tinha uma sobrando. Derrubei a pilha de caixas de cereal do mercado e até agora eu fico triste quando lembro da carinha de cansado do funcionário que veio arrumar tudo. Quase fui atropelada atravessando a rua quando fui conhecer meu apartamento. Coloquei o cartão ao contrário na maquininha e a vendedora da loja me olhou como se eu tivesse cinco anos.

Peter fez uma cara de quem não entendeu uma palavra do que ela disse, mas depois sorriu.

—Eu não sou uma criança muito boa também. Nem sempre lavo as mãos antes de comer, começo a tocar flauta no meio de uma bronca para ignorar o que não quero ouvir e eu sempre fico acordado depois da hora de dormir. Wendy odiaria saber que virei um menino sem boas maneiras.

Carolina começou a rir e Peter cruzou os braços, fazendo uma careta logo em seguida. Ele olhou em volta, procurando o motivo das gargalhadas. Achando mais graça ainda, a menina bagunçou seu cabelo dourado, tirando algumas folhas que estavam presas entre os fios.

—Acho que nem a Wendy conseguiria enfiar boas maneiras nessa sua cabeça de vento.

Ele começou a rir também. Se jogou para trás em um monte de folhas secas e colocou as mãos na barriga, que estava doendo de tanto gargalhar.

—Se eu fosse um cabeça de vento, puxaria seu cabelo por me chamar de cabeça de vento. Mas não, sou um gentleman.

—Se você puxasse meu cabelo, eu te daria um beliscão.

—Você é uma quase adulta muito infantil, Lina. —Ele balançou a cabeça e fez uma cara de desgosto.

Eles ficaram olhando as copas das árvores por alguns minutos, como se o tempo pudesse congelar e a infância de Carolina durar para sempre. Algumas vezes, isso era tudo o que ela queria.

—Também pensei sobre o capitão. Talvez nós possamos fazer algo por ele. —Ele disse, enquanto revirava os olhos.

—Ótimo! Por onde começamos?

—Vamos achar o navio e ir até lá. Invadimos e pegamos o Gancho de volta.

—Simples assim?

—É, ué. Você é boa de luta?

—Você acha que eu brigava na escola, Peter? Além do mais, eu sempre fugia da educação física.

—Educação física é um tipo de treinamento de soldados?

—Não, mas a quadra em dia de queimada parecia um campo de guerra mesmo. Um dia, um daqueles trogloditas me acertou uma baita bolada e eu fui parar na diretoria com o nariz sangrando.

—Que horror!

—Por que tudo tem que ser assim, né?

—Assim como?

—Na base da violência. Quando o diálogo perdeu o valor a ponto de tudo precisar ser conquistado através de agressão?

—Acho que foi antes de nós nascermos, Lina. Não me lembro de um mundo onde as pessoas conversam ao invés de dar socos.

—Você não imagina a quantidade de notícias horríveis que se espalham todos os dias. O amor está se esfriando e às vezes eu me sinto acomodada até demais com essa situação, como se fosse intocável.

—Acho que não tem nada que possamos fazer.

—Quando eu era criança, costumava ter um pouco mais de fé na humanidade.

—A minha já se perdeu faz tempo. Mesmo na Terra do Nunca, as coisas são difíceis.

—Na verdade, têm coisas que podemos sim fazer e ficar apenas reclamando nos torna ainda mais hipócritas. Não existem casos perdidos, Peter. Achar que temos o direito de dar a última palavra sobre alguém é só mais uma amostra do nosso egoísmo.

Peter descruzou os braços e desfez a expressão carrancuda. Mesmo que aquilo parecesse o maior desatino que já ouvira em toda sua vida, algo em seu interior começou a mudar. Depois de tantos anos, ele estava cansado de deixar que uma espada respondesse por si. Estaria ele agindo igual aos adultos que tanto desprezava?

—Você ama tagarelar, né? Mas uma revolucionária não pode mudar o mundo de barriga vazia. —O menino sorriu, sabendo que ela estava com fome, enquanto ansiava que aquele assunto acabasse logo.

Eles voltaram para casa e dessa vez Carolina não caiu de um jeito tão terrível. Se ela praticasse mais trinta e duas vezes, talvez conseguisse voltar para o Brasil com todos os ossos intactos.

—De jaca para manga podre. Estamos evoluindo. —Ele não pôde evitar outro ataque de risadas.

Olhe Para o Pé de BatatasDonde viven las historias. Descúbrelo ahora