Capítulo 6

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—Não sou um desses personagens de livros de fantasia que passam a estória toda sem tomar um banho. Não vou enfrentar a Temível Teresa desse jeito.

—Você é uma chata, isso sim! —Peter Pan bufou, impaciente.

Enquanto dava socos no ar e piruetas na sala da casa, o garoto esperou que a menina se aprontasse para a perigosa missão que enfrentariam. Ele esperava que, ao menos, Carolina soubesse a arte de correr, se as coisas ficassem feias.

—Peter, eu não quero bater em ninguém. —Ela disse, ao chegar na sala, tirando Pan de seus pensamentos.

—Não se preocupe. Do jeito que você é  desengonçada, a sua preocupação deveria ser não apanhar.

Carolina abandonou seu pacifismo por pelo menos alguns instantes para dar um tapa no braço de Peter Pan.

Eles saíram de casa ainda implicando um com o outro, até que Peter chegou perto de uma poça de lama e sujou dois de seus dedos.

—Você não vai fazer isso, né?

Peter deu de ombros e fez dois riscos de lama em cada lado da face.

—Nem adianta vir para o meu lado, eu estou limpinha! —Ela tentou desviar do garoto, mas foi em vão. Quando se deu conta, já estava com a mesma marca no rosto. —Você é terrível!

Peter Pan começou a rir e levou algum tempo para que suas gargalhadas cessassem.

—Agora nós parecemos guerreiros de verdade. —Ele exclamou e foi saltitando, rumo à praia.

—Você me paga, Peter Pan!

—Daqui eu não te escuto, chatonilda! —Ele permaneceu em seus passos ritmados e, quando chegou à areia, passou a jogá-la para cima com os pés.

—Você não tem modos mesmo. —Ela disse, após desviar de um punhado de areia que quase a acertou.

—Você tem que relaxar, garota! Fica sempre com essa ruga na testa, falando que nem uma gralha. Parece até que já esqueceu que está na Terra do Nunca. —Ele abriu os braços e girou, contemplando o lugar paradisíaco que chamava de lar.

Carolina não teve nenhuma resposta irritada para as ofensas de Peter, ele não estava errado. Andava tão preocupada com tudo, que nem mesmo parava para observar as coisas mais simples, aquelas que sempre a deixavam perplexa quando pequena. Podia ficar horas vendo as formigas que paravam umas com as outras quando seus caminhos se cruzavam. Gostava de imaginar que uma daquelas era a mensageira atualizando as outras formigas das mais novas notícias do formigueiro.

—Se até os lírios do campo, que não trabalham e nem fiam, são vestidos por Deus, por que eu deveria ficar tão ansiosa pelos próximos passos? —Carolina sussurrou, parafraseando uma das suas passagens preferidas.

—O quê? —Peter Pan, que não tinha ouvido nada, perguntou.

—Não acredito que você me chamou de gralha! —Ela disse, por fim, se livrando das reflexões sobre sua pressa.

—Elas ficam o dia todo colocando defeito nas coisas, dizendo que vai chover, falando mal da cantoria dos sabiás... são umas enjoadas! É por isso que eu não te ensino a língua dos pássaros. Você ia ficar mais careta do que já é.

A tagarelice de Peter Pan só parou quando eles acessaram o bote do Capitão Gancho e se prepararam para sair.

—Por que não vamos voando? É bem mais fácil.

—Ia chamar muita atenção. Precisamos chegar de fininho e KABUM.

Lina riu da gesticulação explosiva do menino e torceu para que tudo realmente ocorresse conforme o plano.

—Você não vai perguntar se eu sei mesmo remar isso aqui? —Ele disse, ao ver a expressão pacífica de Carolina.

—Não. Eu acabei de prometer para mim mesma que, a partir de agora, vou me preocupar menos. —Ela fechou os olhos e respirou fundo. —Afinal, Pedro andou sobre as águas.

—O quê?! Quem?

—Acho que está na hora de mais uma história inédita para você. —A menina sorriu e passou a narrar os acontecimentos, enquanto Peter começava a mover o bote. Sininho era a única que voava, a frente deles, ajudando-os a não se perder do caminho.

Assim, envolvidos por uma história sobre confiar e descansar, eles remaram até o rochedo onde o navio da Temível Teresa estava próximo. Os peixes e águas-vivas que viam a sombra do bote passando na superfície, olhavam com admiração para os tripulantes daquela pequena embarcação.

—Eu deveria ter entrado numa academia enquanto era tempo. —Ela choramingou, sentindo seus braços queimarem pelo esforço com os remos.

—Shiu! —Peter revirou os olhos, enquanto observava tudo a sua volta. Sininho assoprou pozinho mágico sobre Carolina mais uma vez, a fim de que os dois subissem na embarcação.

Agilmente, o menino deu uma olhada geral na situação, decidindo o melhor lugar para surpreender os piratas e dar início ao tal KABUM. Alguns instantes depois, ele fez um gesto com as mãos para que Lina o acompanhasse.

Não deu tempo de pensar muito no que estavam fazendo. Peter pisou com tudo no chão do convés e se colocou em posição de luta. A menina tentou imitar sua plenitude, mas tudo o que fez foi jogar um barril vazio em cima de um dos capangas que fez menção de ir até ela.

—Você quebrou o clima da nossa entrada triunfal! —O menino bateu as mãos na lateral do corpo e bufou.

—Aquele cara me assustou!

—Quem é essa? —Gancho perguntou, enquanto se remexia no mastro em que estava amarrado.

—Isso mesmo, quem é essa aí, pirralho? —A Temível Teresa colocou as mãos na cintura e olhou com desdém para os dois. —Eu estava esperando apenas você.

—Ah, você não achou que eu tinha só esse velhote aí como amigo, achou? —Peter sorriu de lado e cruzou os braços.

A mulher revirou os olhos e deu uma olhada sugestiva para os cinco brutamontes que chamava de tripulação.

Olhe Para o Pé de BatatasWhere stories live. Discover now