Capítulo 10

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O cheiro de comida abraçava Carolina, que se encontrava sentada em sua cama. A hora do almoço já se aproximava, mas ela decidira aproveitar o máximo de tempo possível em seu mundinho.

Após a volta dos pais, a noite anterior havia sido agitada. Algumas tias-avós já tinham começado a ligar para desejar parabéns adiantado e, depois de colocar Arthur para dormir, a menina ainda ajudou sua mãe a preparar alguns doces para a festa do outro dia.

Falando em colocar Arthur para dormir, a irmã interrompeu tudo o que estava fazendo para contar uma história a ele. Naquele momento, ela teve certeza de que uma de suas visões preferidas no mundo era a expressão curiosa do irmãozinho, que lentamente ia se transformando numa cara de sono, à medida que seus olhos pesavam e ele se acomodava melhor em meio ao lençol do Toy Story.

E isso só piorava o processo de ir para bem longe dali, em menos de uma semana.

Dona Nádia percebeu que sua filha não estava satisfeita com alguma coisa, mas a menina fugiu de todas as suas perguntas. Isso era típico dela.

No interior de Carolina, as coisas estavam ainda mais catastróficas que os balões espalhados pela sala, os quais, àquela hora da noite, já deveriam ter virado um arco.

Ela não tinha certeza de nada. Alguma coisa parecia estar muita errada com seus próximos passos e a garota se sentia como um trem descarrilhando ou aquelas figuras tortas que desenhava no caderno quando copiava a matéria de geometria espacial.

E para completar, ela nem havia conseguido se despedir de Peter Pan.

Foram esses pensamentos que a fizeram derramar algumas — várias — lágrimas antes de dormir e que roubaram um pouco do seu sono.

Após postergar o quanto pôde, ela finalmente se sentiu obrigada a descer para o almoço. Sua vó já estava esperando na cozinha, guardando para ela seus beijos estalados e uma nota de dinheiro enrolada no bolso.

Todas as avós são um pouquinho iguais.

Após abraçar sua família e se sentir um pouco menos angustiada, ela foi se servir.

—Percebi que você se se ocupou com um pouco de jardinagem enquanto eu e sua mãe estávamos fora. —O pai comentou. —Mas que planta é aquela? Não consegui descobrir.

Não podia ser! Carolina arregalou os olhos e sentiu o alívio tomando conta de si.

—Licença, gente. Já volto! —Ela deixou o prato de strogonoff na mesa e subiu as escadas correndo, indo direto para o seu quarto. —Peter Pan, eu sei que você está aqui! Apareça logo, se não eu vou começar a criar pássaros.

—Nem pensar! —Ele entrou voando pela janela, como um furacão. —Só nessa sua cidade eu  já soltei uns oito trinca-ferros dessas gaiolas horrorosas. —Disse, com o rosto vermelho, ainda vestindo o "traje brasileiro completo".

—Você evaporou ontem! —Ela cruzou os braços e sorriu.

—É claro! Imagine se aquela mãe quisesse me dar um abraço!

—Aquela mãe não! A minha mãe. E é óbvio que ela ia querer te dar um abraço, ela abraça todo mundo.

—Tenho alergia a mães. —Ele também cruzou os braços.

—E se eu for mãe um dia? Não vai querer mais ser meu amigo?!

—Não. Eu arrumo uma Lina-não-mãe pra ser minha amiga. Você nem me ajudou com a faxina de primavera, afinal de contas.

—Você é um boboca, Peter Pan. —Ela jogou um ursinho de pelúcia nele e começou a rir. —O que andou aprontando no meu quintal?

—É seu presente de aniversário. Eu sei que você gostou das batatas que eu fiz, então voltei na Terra do Nunca para buscar um pé que tinha plantado há um tempinho. Deu um trabalhão, viu?

—Não acredito que você fez isso! —Ela continuou a rir, mas seus olhos ficaram marejados.

—Ainda tive que me esconder dos seus pais quando eles saíram de manhã para buscar o tal bolo de aniversário.

—Ah, Peter, muito obrigada. —Ela começou a se derreter em lágrimas como manteiga no sol e abraçou o garoto.

—Quando você estiver com saudade da Terra do Nunca, olhe para o pé de batatas. Vai ter sempre um pedacinho de lá aqui. —Ele estava com os olhos marejados. —Eu queria trazer uma vaca para te dar esterco, mas a Sininho disse que elas não gostam de voar.

A garota riu e secou suas bochechas.

—Mas nem precisa, as batatas da Terra do Nunca são bem resistentes. É só cuidar direitinho.

—Você deixa eu te ajudar na faxina da primavera do ano que vem? —Ela perguntou, esperançosa.

—Não gosto de adultos, mas para você eu abro uma exceção.

—Obrigada, Peter! Por tudo.

—Ah, isso me lembra que eu deveria te devolver esses trajes.

—São seus. Para você olhar quando estiver com saudades do Brasil.

—Ah, pois é. Esse pingo de sorvete de napolitano sempre vai me trazer boas lembranças. —Ele mostrou a parte suja da camisa. —Ah, e eu posso...

—Levar o sabonete líquido do meu banheiro? Claro, é seu. —Ela o interrompeu.

—Beleza! —Ele comemorou e foi ao banheiro resgatar seu brinde.

Após isso, Carolina só recebeu um beliscão carinhoso de Sininho e viu Peter Pan acenar antes de sumir pela janela.

Após refletir por alguns segundos, ela respirou fundo e desceu as escadas novamente.

—Quando eu estava chegando aqui, um loirinho miudinho me pediu um abraço e disse que reconhecia uma boa contadora de histórias quando via uma. —Sua avó comentou, fazendo Carolina sorrir.

Percebera, então, que Peter Pan não era tão alérgico a mães quanto dizia ser.

Olhe Para o Pé de BatatasWhere stories live. Discover now