Parte Final

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Ayla apertava a estrelinha entre as gengivas e me encarava.

Fechei meus olhos por um instante, respirei fundo e então a fitei. Sinto meus orbes se encherem da energia dos relâmpagos e dos trovões, eu os ouvia dentro da minha cabeça, eu os sentia no meu cérebro descendo para os meus braços, as minhas pernas e chegando às pontas dos meus dedos. É uma energia poderosa, que vem dos deuses e se eu pensar nela, enlouquecerei.

Minha menina me encarava num êxtase primitivo e encantado, uma jovem alma que conheceu o canto da sereia irresistível. Ayla segurou firme em minhas vestes e piscou com força também. Seus olhos também emanaram aquela energia que me pertence e que está nela e através dela, cativa Naruto e o traz para mim um pouco de cada vez, bem pouco. Canto para ela e Ayla canta para mim, quase na mesma língua que eu, então percebi que as ondas gigantescas tomavam outra forma.

Os cavalos d'água se ergueram ainda mais imensos do que são, agitados pela tempestade, alimentados pelas águas que caem do céu e se misturam a eles, alimentando-os, dando-lhes imensidão e eles se aglomeram sobre a praia. Se não fosse pela chuva, eles não sairiam do mar. Cavalgaram para a areia, ensopando-a, e correram ao nosso redor antes de se aglomerarem para observar o filhote em meus braços e checar como eu estou, já que eles perceberam que tive uns momentos ruins.

Se me pedir uma estrela, minha criança, meu sonho feito de carne e ar, eu a buscarei para ti, mas nem tudo te darei, nem toda conquista minha será tua, pois, filha minha, és a princesa das profundezas e lá embaixo, não há espaço para os fracos, os tolos e os mimados.

Ayla movia os lábios como se imitasse as minhas palavras, então emanou um canto baixinho e eu fiz minha garganta vibrar.

Um imenso clarão lançado sobre todo o céu acima do mar por um trovão revelou a silhueta disforme de uma montanha com asas membranosas e tentacular e a única coisa que se distingue naquela forma colossal emergindo das águas enfurecidas do oceano são dois orbes que brilham como supernovas prestes a surgir.

Vamos, brumas do meu oceano, para onde apenas eu, teu pai, posso levar e não tenha medo. Não quando estou contigo. Então atravessei as ondas arrebentando a areia e submergi, desaparecendo com a minha filha e com o gigantesco rebanho de equinos. Antes que achei que Ayla se afogou, preciso lembrar que eu sou o mar e não há nada nas águas que não me obedeça e me sirva submissivamente. Por minhas mãos, os meus olhos e a minha alma, os deuses se revelam e realizam suas vontades e deles eu recebo a autoridade.

Se eu disser ao oceano que não afogue a minha menina, ele obedeceu em meio há sua força motriz alimentada pela tempestade. Em meus braços, com a cabeça envolta por uma bolha criada pelos ladrões de luz, nadei com a minha menina para cada vez mais fundo, até que pisei no solo, mais ou menos há 300 metros de profundidade. Ainda estou no raso do raso, mas é o mais longe que a minha filha foi, então sua curiosidade se atiça e ela quase nada.

Acomodada entre os meus braços e os meus tentáculos, sem medo de mim e nem do que posso me tornar, Ayla reluz como eu a cada raio e relâmpago que faz a película marítima se revolver em espuma, bolhas, marolas, curvas e ondas que se atropelam e se integram; sua pele é de pérola como a minha e seus olhos são as estrelas-filhas do sistema de onde eu vim.

Minha ninfa inocente esticou os braços para tocar os rostos dos soberanos Cavalos d'Água que cavalgam por nós. Ela sorriu para eles e eles relincham curiosos e agitados, reconhecendo a bebê como minha filhote. Envolvi com mais delicadeza e força Ayla, olhei para a escuridão ainda presente e nadei para lá, abandonando minhas pernas.

Levei-a para vislumbrar por alguns instantes aquilo que muitos humanos jamais compreenderiam ou veriam em todos os anos de sua vida. O cósmico oceano onde reinaremos como pai e filha - e se tudo der certo, pais e filhas e filhos. Emergimos do oceano junto dos primeiros raios do sol frio que luta contra a névoa e a neblina deixada pela tempestade que avançou para a capital, minha menina sentia sono, mas estava faminta.

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⏰ Last updated: Jun 29 ⏰

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Contos sob as ÁguasWhere stories live. Discover now