Queimando (Parte 2)

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João Paiva

Carreguei o agora desfalecido Daniel em meus braços e me pus a caminhar na direção da saída.
A medida que as paredes aveludadas escarlates passavam pelos meus olhos, as lembranças invadiam minha mente, juntamente com os fantasmas que me assombravam desde o início daquilo tudo. O som dos meua pés no assoalho de madeira me lembrava como as vítimas pareciam assustadas quando eu as observava.
Por todo o trajeto, eu podia ouvir o grito das pessoas sendo torturadas, seus últimos apelos, seus choros desesperados, clamando compaixão. De novo, eles me assombravam.

A primeira vez que eu havia pisado naqueles corredores estava fresca em minha memória, como se sete anos significassem sete dias.

Tomei o caminho mais longo, porém mais seguro. Desci as escadas que ficavam no fundo de cada corredor e dei a volta, atravessando o Porão e chegando ao correrdor próximo á Sala de Tortura.

Eu estava me aproximando da famosa sala protegida por uma porta pintada de preto e com manchas de sangue. Daniel não pesava muito, não haviam muitos músculos em seu corpo, porém, meus braços estavam cansados, depois de carregá-lo por tanto tempo.
Ao chegar na Porta, percebi duas coisas estranhas: a porta não estava sendo vigiada e nem o corredor.
Parei em frente da porta e a encarei, hesitando no que eu faria a seguir. Ainda dava tempo de voltar atrás, e constituir uma família com o Daniel. Ter a oportunindade de um final feliz. Mas, como dizem, após entrar nesse mundo, é bem difícil sair.
Encarei aquele rosto por alguns minutos antes de empurrar a porta. Eu tinha mais ou menos trinta segundos até que o efeito do remédio passasse. Empurrei a porta e ergui Daniel como um troféu.
A reação das pessoas do lado de dentro da sala foi das mais variadas. Assim que eu empurrei a porta, dezenas de armas estavam apontadas para a minha cabeça, esperando um sinal para serem acionadas.
O rosto de Irma estava ainda mais lívido, e ela acabou empurrando um dos vidros com algum órgão no chão.
Os capangas matinham a expressão séria, mas um breve sorriso passou por seus olhos ao me verem.
O Chefe estava impassível.
Aproximei-me dele e me ajoelhei aos seus pés, pondo Daniel ali.

-Chefe, aqui está. O filho do traidor, como me pediste.
Disse, em sinal de rendição.

-Você - ele apontou para o capanga mais próximo- verifique.

Enquanto Harv verificava os pulsos e o coração de Daniel, um silêncio ensurdecedor e constrangedor recaiu sobre a sala. Cada gota do líquido que estava no pote que Irma quebrou, fazia-se ser ouvida por toda sua extensão.
Tudo estava exatamente como eu me lembrava. O piso mudava para uma coisa mais rústica naquele cômodo, com o aspecto de terra batida. As paredes eram brancas e haviam milhares de prateleiras com os mais váriados órgãos e armas. No centro, havia um bercário. No momento, estava vazio.

-Está morto, senhor.
Harv finalmente se levantou. Porém, ao fazê-lo, não parava de me encarar.

-Ótimo! Venha aqui, João! Isso precisa ser comemorado! Patrícia, faça seu trabalho direito uma vez na vida e traga nos champagne. O melhor.

-Mas, senhor, eu não sou a...

-Ousa me contestar? Devo alertá-la do que houve na última vez?

Irma ficou paralisada, e começou a esfregar os pulsos de um modo doentio.

-Não, senhor.

Ela disse, abaixando a cabeça e saindo do cômodo.

-Presumo que, agora, sou digno de sua confiança, Kevin?

Eu perguntei, esperançoso.
A resposta não veio. Ele ignorou-me e pôs-se a admirar o corpo de Daniel, que estava jogado no chão.

-Eu esperei tanto tempo por isso... esperei tanto e tanto pelo prazer de olhar na cara daquele traidor e cuspir nela. E agora, posso fazer isso ao seu filho!

Revenge: As CinzasWhere stories live. Discover now