Lembranças.

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Quando chegou o dia da viagem, eu estava com uma tremenda dor de cabeça. E estava incrivelmente depressivo. Todo instante, eu podia ouvir ao longe toda hora o barulho dos pneus na pista... o barulho da buzina... o grito da minha mãe...

Então, naquele quarto de hotel, eu me decidi:

Eu deixaria o passado, no passado. Não foi minha culpa, não foi minha culpa...

As batidas na minha porta me tiraram do meu devaneio.

-Posso entrar?

Era o João. Eu me obriguei a levantar e abri a porta.

-Bom dia!

Ele disse alegre e me beijou.

-Bom dia.

-Está pronto? É o grande dia hoje.

-Sinceramente? Eu estou com medo.

-Medo? Medo de quê?

-Não, nada... paranóia minha...

-Vou pegar café para gente. Enquanto isso, vai arrumando suas malas.

-Ok. Tchau.

Eu me virei, e encarei a cama. Por alguns minutos, eu fiquei destraído arrumando minhas malas, mas então, eu vi a camisa que eu estava vestido naquela noite... e foi inevitável... as lembranças invadiram minha mente como uma enxurrada.

E eu chorei. Chorei pela segunda vez desde o acidente daquela noite. A luz dos faróis, o som do carro derrapando na pista, o grito de terror da minha mãe...

Eu acordei horas depois com o João me acordando.

-Dan! Dan! Rápido! Faltam só cinquenta minutos para o vôo sair...

Eu estava meio atordoado, tinha acabado de acordar...

-Quê? O que... o que está acontecendo?

-A viagem, Daniel! Vamos!

Eu me levantei e fui direto para o banheiro. As lembranças daquela noite tinham sido substituidas por uma preocupação maior.

Enquanto a água caía eu pensava se era a escolha certa, a que eu estava fazendo.

Se meus pais estivessem vivos, eles diriam para seguir meu coração e todo esse clichê de livros.

Mas eu não sabia se o meu coração sabia falar. Não sabia nem que ele tinha boca. Então, eu segui a voz da razão. A única que me dizia o que realmente era pra fazer.

Eu tinha que fazer a minha vida. Eu precisava disso. Eu estava na rua, sem nada. E eu não poderia ficar na casa da Pri para sempre. Eu não poderia ficar escolhendo emprego. Eu estava determinado. Eu iria viajar.

Eu saí do banheiro e encontrei o João na varanda do quarto. Eu fui chegando perto de fininho, para abraçar ele por trás, las acabei ouvindo meu nome, então eu fiquei atrás das cortinas.

Não me leve a mal, eu não estava bisbilhotando. Eu só estava verificando se a conversa estava agradável.

-Sim, sim o nome dele é Daniel. Daniel Lancaster. E as coisas por aí? Como vão?

Com quem ele estava...

-O quê? Diga ao Águia Rubra que se o pouso do Falcão não for tranquilo, entraremos na temporada de caça ás águias. Me ouviu?

Avise para o Cobra Albina que a ração está na sendo encaminhada para seu destino.

O quê? Por que ele precisaria falar com alguém em códigos? E por que citaria meu nome?

Ele desligou o telefone. Aquilo foi muito estranho... Eu saí de trás das cortinas e fingi estar saindo do banheiro.

-Finalmente!

-É.. eu.. eu.. não estava me sentindo muito bem...

-Mas já está melhor agora, não é?

-Uhum.

Eu peguei minhas roupas, e me vesti.

-Eu prefiro você sem, mas com elas você também fica bonito...

-Ha ha! Engraçadinho...

O que diabos era a ração? O que estava acontecendo?

Ele levantou e começou a beijar meu pescoço... lentamente, ele mordiscou minhas orelhas... e sussurrou:

-Eu preciso de um favor seu... eu preciso que você leve uma sacola na sua mala... a minha está cheia.

Eu não estava pensando direito. Relevem. Porque eu aceitei. Nós saimos do hotel e fomos direto para o aeroporto. Faltavam quinze minutos.

Quando eu passei pelo detector de metais, o João me olhou com certa expectativa...

Mas nada aconteceu.

Nós sentamos em nossas poltronas. E quando a comissária de bordo anunciou que estávamos saindo, minhas mãos começaram a suar. Meu corpo inteiro começou a suar. Suar muito. Mas eu senti o toque da mãe de João na minha.

Eu olhei para ele.

-Vai ficar tudo bem.

Ele apertou minha mão. E eu me virei para frente. Depois daquela conversa que eu ouvi, eu estava com muitas pulgas atrás da orelha. Pode-se dizer que um cachorro pulguento inteiro.

O avião começou a decolar. E eu espiei pela janelinha o mundo lá embaixo estava ficando pequeno. Minúsculo.

O passado, apartir daquele dia ficaria no passado. Eu queria mudanças. Eu queria mudar. Eu só não sabia ainda que mudaria tanto assim...

Revenge: As CinzasOnde histórias criam vida. Descubra agora