Capítulo 31 - A Partida

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Ian estava impaciente esperando por Mabel na entrada da vila. Apesar de ser quase cinco da manhã não havia o menor sinal de sono. Nem mesmo mil doses de cafeína o deixariam mais acordado do que estava. Na situação em que se encontrava, seria impossível sequer bocejar e ele desconfiava que os outros estariam tão despertos quanto ele.

Um som quebrou o silêncio da vila e sumiu na noite: Mabel estava abrindo o portão de casa. Quando ela chegou até ele, nenhum dos dois se cumprimentou com um bom dia. A frase educada foi substituída por outra e nem Ian e nem Mabel se importaram com isso:

— Mal dormi essa noite – disse ela.

— Eu também.

Embora não existisse sono, a tensão misturada ao pavor fez com que cada um deles andasse todo o caminho até a Praia da Birutinha perdidos em seus próprios pensamentos e eles não conversaram. Só quando estavam chegando ao calçadão e Mabel viu que Higino, Norah e Rafaelo já estavam lá, foi que ela abriu a boca:

— Que vergonha. Moramos aqui do lado e somos os últimos a chegar.

Mas Ian estava com o coração batendo na garganta, nervoso demais para prestar atenção na menina. Quando ele viu o trio de pé, esperando por eles, a sensação de que aquilo era real caiu sobre ele.

A constatação de que eles estavam caminhando na direção do problema, que estava poucos metros longe deles. E aquele resto de madrugada, aquele fim de noite nunca pareceu tão assustador.

O silêncio somado com as luzes dos postes trazia um medo sorrateiro, o fato de saber que a cidade ainda dormia enquanto cinco adolescentes eram ousados – ou estúpidos, eles não sabiam dizer – o suficiente para peitarem um perigo colossal, era devastador.

Por fim, a dupla encontrou o trio no calçadão e todos estavam mentalmente sintonizados, nos bons e nos maus sentimentos. Também não houve bom dia, existiam coisas mais importantes para serem ditas, ou perguntadas:

— Deixaram seus celulares em casa? – Higino lançou a pergunta. Todos assentiram.

— Que bom que ninguém esqueceu de vir com calça – reforçou Ian.

— Está tudo ajeitado. Eu disse para os meus pais que sairia cedo para fazer uma viagem curta com amigos. Eles não perguntaram muito sobre – disse Rafaelo, e embora não tivesse demonstrado vacilo na voz, Mabel percebeu que ela tremeu de leve.

— Eu falei o mesmo para minha mãe. Para todos os efeitos, estou na casa de vocês – disse Ian para os irmãos.

— Deixei um bilhete para o meu pai com a mesma desculpa. Ele não dormiu em casa de novo – disse Mabel.

Higino e Norah riram.

— Espero que isso não dê confusão. Eu disse que estaríamos na sua casa, Mabel – falou Higino.

— Foi uma tacada de mestre. Como seu pai não tem ficado muito em casa, se meu pai ligar, é provável que ninguém atenda. Ele pode achar que saímos para passear e só em último caso acho que ele ligaria para o seu pai. E o celular dele só vai ter sinal se ele estiver fora de Terraforte – disse Norah com orgulho, como se a ideia tivesse sido dela.

— Cara, você é incrível! – Ian abraçou o amigo meio de lado.

— Assim ganhamos tempo até perceberem nossa ausência. Muito bom, Higino! – Mabel também comemorou.

Os cinco ficaram um ao lado do outro, na divisão entre o calçadão e a areia, sentindo a brisa do mar sob o céu que começava a clarear sem pressa. Os olhares convergiam para um mesmo ponto enegrecido na lateral esquerda.

Os Descendentes e a Ferida da Terra (Livro Um)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora