Pode me ajudar, de novo? - Micha

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Depois de passar a noite com a Juliana, eu me sinto um pouco perdido. Eu não posso fazer mal para mais ninguém, muito menos pra uma garota que me ajudou quando ninguém mais podia fazer isso. Eu sinto que ter contado a verdade pra ela sobre o Rafa foi o certo, mas enquanto eu vago pelas ruas, só penso que devo me afastar. Queria poder me apagar da mente dela. Espero que o álcool possa fazer com que esqueça ao menos um pouco da noite de ontem, e tudo aquilo que aconteceu. Alguma coisa nela me faz ter raiva, mais raiva do que aconteceu. Raiva de tudo que eu era na vida.

Paro em um bosque, sento-me em um dos bancos. O sol está começando a ficar forte, apesar de que eu não sinta em minha pele, eu cerro os olhos. Olho em volta; pessoas caminhando, passeando com seus cachorros. Uma vida normal. Eu nunca pude ter isso, nunca almejei isso. Mas eu queria ter essa chance. A chance de sentir o frio na barriga antes de conversar com uma garota, a chance de ficar pensando na impressão que passei e poder levá-la a um simples passeio no parque. Esse tipo de coisa não é nada monótona, mas só dá pra saber isso quando você percebe que não vai ter mais a chance de fazer.

Decido ir pra casa. Decido sumir da vida da Juliana. Ela merece um pouco de paz, principalmente agora, e eu também. O que mais falta pra eu poder partir? O que falta pra ir embora daqui, antes que eu não queira mais. Antes que eu deseje poder estar vivo muitas vezes como ontem à noite.

Chego a casa da minha tia. Estão preparando as coisas do meu pai para leva-lo à clínica. Se meu pai não tivesse sido por tanto tempo negligente com a doença, provavelmente não estaria nesse estado. Infelizmente creio que há mais coisas que ele foi negligente, principalmente comigo. Mas, resolvo esquecer pois me causa um incomodo enorme relembrar da conversa dele com a minha mãe.

Acho que verificar se ele ficará em um bom local é o que falta pra eu ficar em paz. Resolvo acompanhá-los, e sim, é um lugar calmo e bonito com muitos profissionais, enquanto estiver aqui, estarei de olho no tratamento.

- Clara? - Meu pai chama, e minha tia volta sua atenção pra ele.

- Não gostou do local? - Ela está preocupada com a opinião dele.

- Tanto faz, parece um bom lugar. - Mal-humorado como sempre. - Eu tentei falar com Laura, mas não tive coragem de falar sobre a casa.

Me impressiono com a precisão de quando ele fala de Laura.

- Entendo. Ela concordou em vender a casa. Creio que ela queira pegar alguns pertences. - Minha tia fala com alguma repreensão ao meu pai.

- Ela pode. Mas, preciso que desfaça algo por mim. - Ele pede.

- O que foi Daniel?

- No tempo da confusão, abri um mandado pra que Laura ficasse distante da casa. Quero que o retire! - Meu pai fala com a cabeça baixa.

- Como?? - Minha tia suspira. - Pobre Laura! Isso explica muita coisa! - Minha tia esbraveja.

- Não posso me culpar mais! Acredite! - Meu pai fala e pede pra ser acomodado em algum quarto.

Eu fico ainda mais confuso. Eu preciso descobrir por que meu pai abriu um mandado de distância para Laura. Será por isso que ela desapareceu? Sem nunca mais me visitar ou chegar perto de mim. E pior, ele se sente culpado. Como ficar em paz dessa forma?

Nem em casa meus tios falam sobre o assunto. Minha tia apenas liga para Laura, informando que ela pode pegar os seus pertences em casa, e que o mandado será retirado. Eu chego a ficar tonto de tanta raiva e confusão. Eu preciso descobrir, mas não vou conseguir sozinho. Juliana...

Assim que me lembro de seu nome, apareço em um banheiro, com uma garota com um vestido branco e azul, jogando água em seu pescoço. Juliana. Ela me olha com cara de espanto, e expectativa. Por ter aparecido assim do nada. Sinto que precisamos falar sobre ontem, mas agora não consigo. E apenas peço ajuda novamente e sumo.

O que eu fiz? Queria ter contado tudo. E ter dado risada da bebedeira dela de ontem. Queria perguntar como ela se sente depois de tudo que houve ontem. Mas, o certo teria sido nunca mais aparecer pra ela. Não foi intencional, nem sei como aconteceu, sei que a assustei. A expressão no rosto dela no final da aparição era de medo. Não quero que ela sinta medo de mim. Decido aparecer na sua casa, para me desculpar e me explicar na medida do possível. Agradeço muito por ela mais uma vez concordar em me ajudar.

Sinto que depois do pedido de desculpas ela se sentiu melhor. Ainda envergonhada pelos fatos da noite anterior, mas é como se sentisse aliviada por me ver de novo. Eu seria um idiota se acaso sumisse sem ao menos me despedir. Não sei como ela vai poder me ajudar nesses assuntos tão delicados da minha família. Mas o otimismo e a coragem dela me fazem confiar. Já eu sinto como se tivesse tirado um peso de mim. Eu já atormento a mente da pobre garota por simplesmente aparecer, não queria parecer rude.

Eu paro na madrugada me perguntando se conseguiria resolver isso sozinho. E se quero. Se é um pretexto pra ter a Juliana por um tempo mais perto de mim. Ela é a única que me faz sentir mais perto da vida, coisa que já não tenho. Mas se eu estivesse vivo, quem ela seria pra mim? Apenas uma garota, quem sabe.

**

No domingo à tarde, ela está sozinha no parquinho perto de sua casa. Está com botas de cano baixo, um short jeans e uma regata preta. O cabelo dela reluz fortemente a luz do sol. E eu sei que foi o momento que arrumou pra ficar sozinha pra ficar comigo. Ela ainda quer me ver, mas preciso dar opções a ela. E não ser tão egoísta.

- Olá! - Digo, e ela não se assusta.

- Olá! Está mais calmo hoje? - Ela pergunta e está naturalmente muito linda hoje. E eu me distraio um pouco.

- É... Estou sim. - Falo.

- Mesmo? Nenhuma ironia, brincadeira. É você Micha? - Ela ri.

- Olha Juliana, é um problema com a minha família eu já te disse, e não sei se é certo te meter mais uma vez nisso. Você pode negar. - Eu digo sério.

- Posso. Mas tenho que me livrar de você. - Ela diz.

- Wow. Não pensei que fosse tão insuportável. - Me surpreendo.

- Não é isso, é que sabe... Eu já aceitei fazer isso. E fizemos um trato antes de tudo, que por mais que você não cumpra, diz que assim que eu termine de te ajudar, você vai. Acho que precisa encontrar a paz. E eu preciso parar de te ver, sabe? - Ela diz séria.

- Não é tudo sobre mim. O que você quer em troca. Apenas que eu te deixe em paz no final de tudo? - Pergunto.

- Quero apenas acreditar nisso, agora. - Ela responde um pouco receosa. E continua:

- Porque se eu não acreditar em você, no que está acontecendo. Sinto que tudo vai desmoronar sabe? - Ela entristece.

Não sei ao certo sobre o que ela está falando, mas sinto que está certa. Se ela não crer em mim agora, não poderá me ajudar. Eu me senti só seu lado no balanço e ficamos aí por um tempo.

Eu te ViOnde histórias criam vida. Descubra agora