Sumiço pt 1- Juliana

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Foi aqui que tudo começou a ficar estranho:

O que faz aqui? - Rafa pergunta e eu simplesmente não sei o que dizer.

Eu me recomponho, e desço do banco. Tento ver se Micha está por perto pra me ajudar a sair dessa. Mas eu não sinto nem a sua presença, deve ter ficado tão mal com as descobertas que me esqueceu aqui.

- Eu??? Ah... A tia do Micha me deixou vir aqui, pra... Pegar esse quadro. - Disse a primeira coisa que me veio à cabeça levantando o quadro.

- Ham. E você veio sozinha? Pra que quer o quadro? - Ele pergunta estranhando.

- Aula de artes! O professor pediu uma redação sobre alguma obra surrealista! - Minto. - E lembrei desse aqui, que vi quando vim pegar as fotos do Micha para a homenagem. - Eu realmente não sou convincente.

O Rafa olha para o vaso onde coloquei a chave.

- Como você sabe que o Micha guardava a chave ali? Só eu e ele sabíamos do esconderijo! - Ele fica pensativo.

- Pelo jeito não era tão segredo assim. Foi a Clara também que me contou. - Virei uma máquina de mentiras mal contadas. Continuo:

- E você, o que faz aqui? - Fico curiosa também em saber.

Ele se dirige a varanda da casa do Micha. E senta-se.

- Vim imaginar o que meu amigo diria sobre o que está acontecendo, você sabe, com a gente! - Ele abaixa a cabeça. - Ele me deu sorte já que você está aqui!

- Rafa, eu não sei o que te dizer... - Neste momento me sinto pior sabendo que fiz o melhor amigo dele o trair me contando tudo. Não sinto raiva do Rafael, não agora.

- Podemos conversar? - Ele pede.

- Sim, mas vamos indo. Se tiver algum lugar tranquilo por aqui, podíamos ir lá. - Não quero ficar aqui, não quero que o Micha participe ou esteja perto nessa conversa.

Entro no carro do Rafa. Por mais que ele tenha me magoado muito, não é como se eu tivesse deixado de gostar dele como pessoa, ou achasse que ele me faria algum mal. A sua aparência está visivelmente abalada. E não tem mais o rosto lindo de quem sabe que tem o rosto lindo, e não tem o controle da situação. Ele não diz uma só palavra até chegar, e eu tenho medo das perguntas que ele possa me fazer. Chegamos em uma praça, muito bonita e calma. Nada do Micha, eu aprendi a sentir isso. Tenho que resolver as coisas sozinha.

Eu me sento em um banco. Agora está frio e eu esfrego os braços. Ele me oferece sua blusa.

- Cavaleiro eu sempre fui, não é? - Ele brinca com um ar triste. E não posso discordar.

Eu dou risada, mas sinto a vontade de falar muita coisa que não posso. Simplesmente não posso contar.

- Sabe Juliana, você é boa demais pra mim, e eu sei disso. Sempre soube. Eu queria poder ser menos babaca e não ter feito nada disso. - Ele diz me olhando e continua:

- Agora eu só espero que você não me odeie. Eu estava tão perdido. Provavelmente se o Micha estivesse aqui ele diria " bem feito", mas de algum modo eu me sentiria melhor.

- Eu não odeio você! Há dias atrás eu achava que te amava, não posso te odiar assim tão rápido. - Eu digo sem ter coragem de olhar pra ele.

- Você realmente me amou Juliana? - Ele pergunta pegando no meu queixo e olhando em meus olhos - Eu acabei com tudo, não é? Eu poderia ter estragado sua vida! - Alguma insegurança passa por ele. Engulo seco, pra achar algumas palavras que sejam sinceras:

- Rafa, eu não sei! - Escorre uma lágrima do seu rosto.

Por mais que ele tenha feito tudo que fez, dói dizer isso. Mas é preciso! Não é justo eu apenas continuar como vítima, se nem ao menos fui sempre sincera em questão de sentimentos. E é mais difícil pra eu sair da zona de conforto, e ser sincera. Sim, eu tenho culpa em tudo isso também. Eu sempre esperei algo surpreendente, o Rafa era o cara que muitas garotas queriam, mas eu estava apenas acomodada.

- Eu sempre soube! - Ele passa a mão no rosto. - De forma alguma estou justificando minhas ações. Mas algo em você, nunca estava ali.

- Você é tudo o que eu não sou. Tudo que seria inatingível pra mim. Mas eu, eu não me conhecia. Eu não sabia o que era sentir algo intensamente. Que me fizesse perder o juízo. - Desabafo.

- Agora sabe? - Pergunta com tom de estranhamento.

Eu olho a rua e tenho medo da resposta, tudo o que eu venho sentindo ultimamente é mais do que eu já senti nos meus 17 anos de vida. Eu quero o impossível, eu quero não querer ficar tão obcecada com meu fantasma. E não queria transparecer aqui pro Rafa, que eu posso estar apaixonada. Eu nem parei pra pensar nisso. Estou apaixonada? Seria um tanto difícil explicar como eu conheci o Micha.

- Me perdoe. - Eu abaixo a cabeça.

- Conheceu alguém?! Quem é o cara? Eu só preciso saber se conheço.

- Conhece! - Droga, falei sem pensar.

- Droga Juliana como você foi rápida! - Ele se altera e levanta. - Sente isso por ele há quanto tempo? Já saíram? - o Rafa está inquieto.

- Pelo menos esperei terminarmos! - Me altero. - Rafa, não aconteceu nada e nem vai acontecer! Eu apenas conheci esse cara e me senti diferente esses últimos dias!- Digo. - Talvez por todo esse furacão que houve.

- Você pularia por ele? - Ele se refere a se entregar, sempre usava essa frase pra me convencer de algo. E respondo:

- Eu não sei! - Nesse momento não seguro o choro. Não sei se por magoar o Rafa ou pelo que digo. Eu não posso ter certeza de muita coisa, mas sinto que esse sentimento vai me fazer sofrer, e ao mesmo tempo, não quero deixar de sentir.

- Eu te amei Juliana. Do meu jeito meio torto, mas eu te amei. Pode ter parecido um desafio, tirar a virgindade da menina diferente do colégio. Mas eu só queria que tivesse gostado de mim, de verdade! - Ele diz.

- Eu acredito, apesar de tudo. Só espero que fiquemos bem. E, não brinque com o sentimento daquela garota. Ela me parece estar atormentada, com tudo isso! Por favor, por mim! - Peço.

- Não deveria ter ficado com Esther! Perdi o Micha, perdi você! - Ele se desespera!

- Nada foi culpa dela, ou sua! Aconteceu o que tinha que acontecer. E o Micha gosta muito de vocês, apesar de tudo! - Afirmo.

- Gosta? - Ele estranha - Você nem o conhecia! Não sabe como aquela mente funcionava!! - Ele diz.

- Realmente não o conhecia e não sei muito sobre ele. - Não dá pra dizer simplesmente que agora conheço. - Eu apenas imagino.

Resolvemos ir embora, antes que esfriasse mais. E, por mais difícil que tenha sido o caminho, sei que tudo o que foi dito hoje, libertou o Rafa, de culpa, de ilusões. Eu espero que ele possa se tornar uma pessoa melhor. Assim que chegamos:

- Não me deixe saber de vocês. Sabe, não por enquanto, você e esse outro cara! - Ele pede.

- Tudo bem! Você não vai vê-lo comigo! De forma alguma! - É uma verdade.

De noite, ainda não sinto nada sobre a presença do Micha. Eu queria poder confortá-lo sobre hoje, ou apenas que ele estivesse aqui! Por alguns minutos eu imagino como seria se estivesse vivo. Apesar do medo que estou sentindo sobre meus sentimentos quanto a ele, talvez tenha algo de irreversível, de obscuro que eu não quero que pare.

Eu te ViOnde histórias criam vida. Descubra agora