3 de Agosto

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14:43 •
Não sabia exatamente quanto tempo havia passado ali, seu tempo era baseado em quanta luz entrava ou não pela janela que agora estava totalmente aberta.

O tempo ali passava arrastado, e quando não estava tendo sua bunda violada por aquele que nem sabia o nome - coisa que acontecia diariamente, até 2 vezes por dia - estava memorizando detalhes inúteis do quarto.

Percebeu que o chão era de uma madeira clara, já desgastada pelo tempo. Que o papel de parede marrom continha pequenas detalhes de flores, listras e pontos. Que ao pé da cama havia uma pequena cômoda, que portava uma gaveta e um abajur. Que a cadeira que o loiro havia recentemente adicionado ao quarto estava dando sinais de ferrugem e era azul. Percebeu também que, por mais que estivesse sido mantido como um animal de zoológico, recebia comida - ainda que fosse um pão murcho banhado com leite que sempre vazava na sacola - e banho diariamente. Em dias de bom humor o loiro dava-lhe o pão na boca, mas sem nunca tirar sua postura rude e grosseira. Em dias de mau humor era um desafio comer sem as mãos a sua deriva. O banho deveria ser a melhor parte do dia, pois era quando o de olhos verdes o desamarrava e o banhava - novamente, em dias de bom humor - na banheira do banheiro da terceira porta do corredor. Sendo a primeira o seu "quarto" e a segunda imaginou que pertenceria a casa do maior.
Percebeu também, ao dar pequenas olhadas pela janela, que estava preso no quarto ou quinto andar de um prédio, numa rua pacata e monótona, sem muito movimento.

As roupas que lhe eram trocadas sempre ficavam alguns números maiores, mas não era como se isso importasse. O cheiro delas não era ruim.

A posição não lhe favorecia, uma vez que estava sentado com suas mãos atadas atrás dos joelhos, e sua bunda ardia como o inferno. Sua lista de coisas para se livrar daquilo, dele, já estava ficando vazia. Tentou gritar, porém recebeu outro chute na mandíbula. Tentou fugir durante os banhos, recebeu um chute nas costelas. Tentou conversar com o outro, recebeu um dar de ombros.

Mas Castiel já não sentia mais a necessidade de sair dali. Quero dizer, ele queria voltar pra sua vida normal mais que tudo, porém queria entender os motivos por trás daqueles olhos tão profundos e encantadores.

Tinha vezes que o loiro se sentava do seu lado e só o ficava observando. O olhar fundo e quase vazio invadia a mente do de olhos azuis de uma forma indescritível, e o ultimo não queria que aquele momento passasse.

Castiel estava gostando da companhia do outro.

Não. Isso é impossível. Não podia estar gostando de uma pessoa que fizera coisas tão horrendas como ele havia feito.

Lembrou-se de uma vez ter lido algo sobre a Síndrome de Estocolmo.

"Síndrome Estocolmo é o nome normalmente dado a um estado psicológico particular em que uma pessoa, submetida a um tempo prolongado de intimidação, passa a ter simpatia e até mesmo sentimento de amor ou amizade perante o seu agressor."
[...]
"Há também a possibilidade, amplamente considerada, de que para algumas pessoas vítimas de assédio semelhante, possam desenvolver algum mecanismo inconsciente irracional de defesa, na tentativa de projetar sentimentos afetivos na figura do sequestrador ou abusador que possam "amenizar" ou tentar "negociar" algum tipo de acordo entre a relação vítima/agressor na tentativa de reduzir a tensão entre os entes envolvidos."

Só podia ser isso. Deveria ser isso.

A vontade inexplicável de ficar ao lado de seu agressor não havia explicações diferentes. Como alguém consegue gostar de um outro alguém que o desmaiou, sequestrou, mantém em cativeiro e o abusa diariamente? O medo estava consumindo o moreno, e tudo que sua mente fazia era lhe pregar uma peça. Uma doce peça onde o fazia projetar um sentimento de segurança - quando não estava sendo violentado ou algo do tipo, claro - pelo mais alto.

20:18 •
Estava perdido em algum nó aleatório da madeira quando foi obrigado a se retirar de seus devaneios. A porta rangeu pela segunda vez no dia, e supôs que seria hora do banho.

Acertou ao perceber o maior se abaixando e desfazendo o nó da corda em seus pulsos, para novamente prendê-los em sua frente. Com uma mão nas costas e uma na metade da coxa, o de olhos verdes ergueu o moreno como uma princesa, e esse estranhou o ato, uma vez que o outro nunca fizera isso contigo.

Seus tornozelos e pulsos ardiam graças às cordas que estavam mais apertadas do que deveriam, mas sabia que reclamar não daria em nada.

Foi colocado ao chão do banheiro, cujo as paredes eram em azulejos creme e o resto branco, e ouviu a porta trancar. Seus braços e pernas foram soltos por um instante apenas para que sua roupa fosse retirada, para então serem amarrados novamente, dessa vez com menos força.

Foi sentado na banheira - já cheia - e sentiu-se relaxar com a água morna, se permitindo a fechar os olhos e deixar um pequeno sorriso formar-se no canto dos lábios.

Era um momento único no dia em que podia limpar sua mente de todo aquele caos.

Por que?

Era a única coisa que ocupava sua mente desde que chegou lá. Queria entender o motivo e a história de seu cativeiro. Queria entender todos os sentimentos escondidos por trás daquele verde tão vazio e ao mesmo tempo tão vivo. Castiel só queria.

Semicerrou os olhos, conseguindo ver de relance o maior sentado à beirada oposta da banheiro encarando-o, segurando um sorriso leve nos lábios.

Deus, ele era lindo.

O de olhos azuis se esqueceu de todos os dias que havia passado ali, de toda a tortura física e psicológica para se perder no verde, que estava agora surpreendentemente mais claro, do maior. Corou ao sentir que o loiro devolvia o olhar sem desmanchar o sorriso, para assim quebrar o contato e mergulhar-se até a metade do rosto na banheira.

Não tardou para o maior o banhar, e em pouco tempo Castiel já estava sentado em um banquinho enquanto as mãos do maior o secavam com a toalha macia e azul.

O toque era suave, diferente de como fora em seus primeiros dias ali, e era quase como se o maior não estivesse mais com alguma intenção ruim. Mas como eu disse, era apenas quase. Um sentimento de esperança que começava florescer dentro do moreno.

Vestido de forma adequada - uma calça de moletom cinza e uma blusa preta, ambas uns dois números maiores que si - sentiu seu corpo ser erguido novamente para que voltasse para o quarto. O silêncio pesava, e só foi cortado quando o maior se pronunciou.

- Dean. Meu nome, bem, é Dean.

Stockholmssyndromet •Where stories live. Discover now