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Alfonso: já estou acabando - ele murmurou distraído, ainda reclinado sobre algumas folhas. - Você está com muita fome?

Anahí: não - respondi, olhando-o trabalhar, concentrado. - Pode ir com calma aí.

Ele me olhou de relance, um meio sorriso nos lábios, mas logo voltou a atenção para a papelada que analisava. Ele era lindo. (Eu já havia dito isso alguma vez?) E ficava ainda mais lindo focado nos negócios daquele jeito. Nem parecia meu Poncho extrovertido e carinhoso, que passara os últimos meses me bajulando e bajulando nosso filho em qualquer pequena oportunidade que tinha. Aquele era o Alfonso vencedor do prêmio de jovem empresário do ano da People. O Alfonso que dizimava a concorrência com suas jogadas de mestre no campo dos negócios.

Um breve sorriso apreciativo deslizou por meus lábios enquanto eu o admirava. O cabelo estava um pouco maior do que o que eu achava ideal, os cachinhos formando-se em sua nuca. A barba por fazer lhe dava todo um ar natural e desleixado que eu adorava, e o óculos de leitura deixava-o sério e intelectual.

Aquele era o homem que eu amava. Desde muito tempo. E que agora era meu. Fechei os olhos, com um suspiro feliz, dando-me conta de que eu tinha tudo o que sempre havia desejado ali, bem ao alcance dos meus dedos.

Alfonso: pronto. - Reabrindo os olhos, o vi se aproximar. - Está cansada?

Suspendi os pés, deixando que ele sentasse. Coloquei-os em seu colo e ele sorriu, dizendo sem palavras que eu era folgada. Era assim, nos comunicávamos com o olhar.

Anahí: só um pouquinho.

Alfonso: você não devia ter andado tanto assim, Annie - repreendeu outra vez, massageando de leve um de meus pés. - Você sabe que o Noah pode nascer a qualquer momento.

Anahí: ele não vai nascer hoje, ok? - zombei, fazendo pouco caso de toda aquela preocupação exacerbada que ele tinha comigo. - Você pode ficar tranquilo!

Alfonso: você leva tudo o que eu falo na brincadeira - suspirou.

Anahí: ai, amor, sem dramas, vai - tirei os pés do seu colo e, com alguma dificuldade, voltei a sentar no sofá. - Está tudo bem, você está vendo - sorri, fazendo um gesto amplo com as mãos. - Já podemos ir comer?

Alfonso: vamos, Anahí - respondeu, vencido. - Vamos.

Sorrindo, deixei que ele segurasse minhas mãos e me ajudasse a levantar. Assim que o fiz, meu sorriso esmoreceu. Uma pontada forte atingiu o pé da minha barriga. E, não, não era um chute de Noah. Eu tinha certeza.

Por Alfonso

Anahí parou, olhando-me com a expressão carregada.

Alfonso: o que foi?

Anahí: nada - franziu o cenho, olhando para baixo. - Acho que... nada.

Alfonso: Anahí?

Anahí: foi uma dorzinha que... AUCH! - Largou minha mão, levando a sua até a barriga. - Poncho!

Então a ficha caiu.

Alfonso: ai meu Deus. - Arregalei os olhos. Ela me olhou, com os dela arregalados também. - Vai nascer?!

Embora estivesse nítido que sentia dor, ela riu. Com uma careta, baixo, mas riu.

Anahí: não sei, eu não sou médica, Alfonso! - Ralhou.

Alfonso: o que você está sentindo?

Anahí: dor? - voltou a se sentar, com um gemido.

Tudo bem, eu precisava dar um desconto. Eu estava nervoso, mas quem sentia dor era ela. De uma hora para outra, eu tinha perdido todo o senso de direção. Não sabia o que fazer, como agir. Olhei-a ali, como um paspalho, até que ela levantou os olhos, questionadora. Entendi aquilo como uma clara ordem para que eu agisse, que fizesse algo. Acordei do transe, agachando à sua frente.

Alfonso: você acha que é pra valer?

Anahí: nenhuma das outras vezes foi tão forte assim - gemeu.

Alfonso: mas ainda não está no dia - ela me olhou, fuzilante. - Tudo bem, fica calma.

Obviamente eu também precisava de alguém que me dissesse aquilo naquele momento. Acho que Anahí percebeu, porque seu olhar se tornou mais cuidadoso.

Anahí: você também.

Alfonso: eu estou calmo.

Anahí: tô vendo - disse com uma carranca que era para ser um sorriso. - Desculpa por isso.

Alfonso: o quê?

Anahí: eu disse que não ia nascer hoje...

Alfonso: ah - ainda consegui achar alguma graça, em meio a todo o nervosismo que sentia. - Você consegue andar? - Não esperei que ela respondesse e levantei-a do sofá, amparando-a entre os braços. - Vamos para o hospital.

Anahí: que merda!

Alfonso: o que foi? - parei, assustado.

Anahí: essa maldita dor! - arfou, ofegante. - Por que tudo acaba recaindo sobre as mulheres? Que inferno! Você devia estar no meu lugar, vocês não são o sexo forte? AI!

Alfonso: calma, relaxa. Esse não é um bom momento para uma crise feminista, anjo - disse com um meio sorriso enquanto a guiava para a porta, apoiando todo o seu peso em meu braço.

Anahí: a crise é minha, eu escolho quando ela acontece! - Brigou. - Minhas bolsas, Poncho!

Alfonso: deixa. Peço pra Andy cuidar quando passarmos. - Ela ofegava e eu me condoía a cada novo espasmo trêmulo de dor que a atingia. - Vamos, amor, lembra da respiração? Você lembra. Um, dois, três...

Aprendemos aquilo num curso para pais de primeira viagem. Ideia de Dulce, que dissera que um daqueles nos seria fundamental, já que eu, muito menos Annie, tínhamos cara de quem saberia lidar com fraldas sujas e choros variados. Ainda estávamos na quarta aula, mas já haviam nos falados sobre o momento do parto.

Anahí: espera - parou, fazendo com que eu parasse ao seu lado. Fez a técnica respiratória da qual falei e apertou a mão que envolvia minha cintura. - Deixa passar essa.

Ela tinha a cabeça meio reclinada e arfava. Levei uma das mãos até seu rosto e afastei o cabelo que lhe cobria os olhos. Ela me olhou, e toda aquela apreensão que dizia que ia sentir quando aquele momento chegasse, estava ali, nítida como água.

Alfonso: vai passar, você sabe. - Ela manteve meu olhar, enquanto repetia a respiração seguidas vezes. - E logo Noah estará aqui. Graças a você - sorri, incentivador. - Vamos exibi-lo por aí, levá-lo para paquerar umas menininhas...

Anahí: depois dos trinta - interrompeu, ofegante.

Alfonso: não, tem que aprender desde cedo.

Anahí: quem está sentindo essa maldita dor sou eu, então eu decido! - Resmungou e eu ri.

Alfonso: pronto? - Ela assentiu e, daquela vez, eu a peguei no colo. - Mais rápido desse jeito.

Saímos para a recepção e Andy nos olhou, assustada. Levantou-se de pronto.

Alfonso: o elevador, Andy. - Ela correu até ele, prontamente. - Noah resolveu dar as caras antes da hora.

Andy: ai, caramba. - Disse após apertar três vezes o mesmo botão do elevador. Para nossa sorte, ele estava por perto e logo chegou. - Que dê tudo certo, senhor. Boa sorte, dona Anahí!

Anahí não respondeu, mais ocupada em controlar seu próprio corpo. Entrei com ela no elevador e dei as últimas instruções à Andy. Pedi que guardasse as coisas que Annie havia comprado para Noah, mandasse os papéis para David e avisasse Maite sobre o que estava acontecendo. Ainda tive tempo de vê-la assentir antes que a porta de metal se fechasse entre nós.

O Pecado Mora Ao LadoWhere stories live. Discover now