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Escutem: Snow Patrol - Chasing Cars.

Eu estava em pânico. Os gemidos já escapavam involuntários à cada nova contração que me atingia. Elas duravam pouco mais de um minuto, e no início demoravam cerca de cinco para vir outra vez e me retorcer por dentro. Nesses momentos eu tremia e sentia os olhos cheios d'água. Faltava pouco para que eu chorasse de verdade. E aí eu respirava fundo e aguentava firme. Ou o quão firme eu conseguiria aguentar pelo tempo que fosse.

Durante toda a gravidez eu temi aquele momento. A médica tentara me tranquilizar, dizendo que antes mesmo que eu começasse a sentir as dores do parto, Noah já estaria aqui e eu esqueceria de todo o resto. Maldita mentirosa! Parecia que alguém pegava meu útero e o torcia com toda a força entre os dedos naquele exato momento e não tinha nenhum sinal de Noah por perto.

Respirei fundo seguidas vezes e senti que Poncho me olhava, enquanto dividia a atenção entre o trânsito e o celular. Fechei os olhos e deixei aquela onda de dor passar. O buzinaço à minha volta só tinha o poder de me deixar mais agoniada. Adorava Nova York, mas naquele momento odiava morar ali e ter que lidar com aquele trânsito infernal quando, na verdade, só queria paz, tranquilidade e, claro, que aquela dor lancinante fosse embora logo.

Ouvi vagamente a voz de Poncho quando ele conseguiu completar a ligação, mas não prestei atenção na conversa. Procurei me ausentar dali, sair de mim, talvez como uma tentativa inútil de abstrair de tudo aquilo. Preocupei-me tão somente em relaxar, respirar e aguentar quando uma nova contração me atingia, certeira. As buzinas ficaram longe quando tentei vislumbrar a onde tudo aquilo me levaria. E aí eu só via Noah. Um rostinho pequeno e fruto da minha imaginação, mas que fez com que eu conseguisse me desligar por um momento de todo o medo que me fazia tremer por dentro. Os cabelos castanho-escuros e a covinha no queixo. Os olhos esverdeados e a pele clara em um corpinho pequeno e rechonchudo, que caberia perfeitamente entre meus braços. Meu filho. Suspirei longamente quando outra contração veio e senti uma mão tocando a minha.

Alfonso: vai passar.

Foi só um murmúrio, um tom rouco e confortante. Entreabri os olhos e o encarei, mas não disse nada. Não era preciso. Ele afagou minha mão e a deixou ali, junto à minha, por todo o resto do percurso até o hospital.

Quando chegamos, toda a equipe já estava à minha espera. Poncho tinha arranjado tudo aquilo, é claro. Enquanto me preparavam para a cirurgia, ele ficou resolvendo a parte burocrática da minha internação, mas me prometeram que logo voltaria e ficaria comigo na hora do parto. Não seria normal. Eu definitivamente não era forte o suficiente para aquilo. Assim que deitei na cama, berrei para que me dessem alguma coisa e me apagassem de uma vez, para que eu parasse de sentir aquelas dores. Foi naquele momento que Poncho voltou, com um roupão azul e uma máscara hospitalar que cobria-lhe parte do rosto. Ele abaixou junto a mim e apertou minha mão. Eu revidei aquele aperto o mais forte que consegui. Eu podia tê-la esmagado, mas ele não reclamaria. Me olhava quase consternado, como se doesse nele me ver sofrendo daquele jeito.

E, de alguma forma, eu acho que doía.

Alfonso: você quer mesmo isso? - perguntou, bem junto ao meu rosto. - Se te sedarem, você não vai ver nada. - Eu respirei fundo e, naquele momento, as lágrimas já escorriam dos meus olhos. - Não vai vê-lo nascer.

Anahí: não - murmurei. - Eu quero ver.

Ele sorriu, como se eu tivesse feito a escolha certa. E eu sabia que tinha.

-

Por Alfonso

Acho que eu nunca vou conseguir explicar ao certo o que senti quando ouvi o primeiro choro de Noah ecoando por aquele centro cirúrgico. Era algo indescritível. Podia ser idiota, mas eu me sentia importante. Caramba, eu tinha feito aquilo! Ele era uma parte minha. Minha e de Anahí, que tinha os olhos úmidos e iluminados, já sem nenhuma sombra da dor que sentira antes de a cirurgia começar.

O Pecado Mora Ao LadoWhere stories live. Discover now