Capítulo VI - Conceber

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As Origens de Sebastian

Capítulo VI

Conceber

Os dedos delicados e de unhas pequenas acariciavam a face peluda do animal que se tornara seu companheiro naquela estação rigorosa de inverno. Pelo que ouvira dos residentes daquela casa, há anos não fazia um frio tão intenso na região. Nem mesmo em sua Terra natal, aonde a neve costumava cair na estação de inverno, Catherine presenciara um frio tão rigoroso. Mas de acordo com sua senhora, mãe do seu marido, nunca nevara daquela forma em Valdávia. A tempestade de neve caía há mais de uma semana e o manto branco se alastrara por toda a terra, cobrindo jardins, plantações, as copas das árvores, as pequenas e grandes construções.

Catherine não se incomodava com o frio, não enquanto estivesse na companhia calorosa de Earth, como ela batizara simpaticamente o lobo de estimação do marido, que se tornara seu fiel companheiro na ausência do seu jovem amo. Crispian havia viajado com o pai, Edward, para assumir o "posto" que o pai dela prometera a ele no gabinete da coroa.

Sua senhora, Francine, passava o tempo todo reclamando sobre a ausência do marido e do filho, dizendo que o frio a castigava mais na ausência deles. Catherine não se importava com as reclamações da mulher, nem com a ausência dos dois homens, menos ainda em ficar sozinha e tampouco com o silêncio daquela imensa residência.

Vivera em uma casa tão grande quanto aquela, mas completamente oposta na quantidade de moradores. Todos seus irmãos com suas esposas, as irmãs com seus maridos, os irmãos que ainda eram solteiros, sobrinhos, tios, viajantes e empregados, abarrotavam os quartos, as salas, as áreas de convivência com suas presenças sempre barulhentas. O barulho era algo constante em sua antiga casa: brigas, choros, gritaria, crianças brincando, brigando, correndo, vivendo.

Era praticamente impossível um momento de paz. Seu pai costumava traduzir aquele caos como "um lar feliz", ela traduzia como "balburdia infernal".

Além disso, havia um diferencial que tornava sua existência uma mancha negra em meio a "grande família feliz". Seus pais jamais falaram com ela diretamente sobre o assunto, mas seus irmãos nunca se importaram em jogar-lhe aquela informação na cara em forma de ofensa: "bastarda".

Era uma filha "bastarda" por não ter sido gerada no ventre de Carmélia. Era filha somente de Bardo, de uma aventura amorosa que o pai tivera com uma camponesa que fora criada da família por algum tempo, e a qual diziam ter sido assassinada por encomenda, mesmo que, a versão contada pelos donos da casa, era que a criada apenas desaparecera na floresta colhendo lenha e que certamente havia sido assassinada por um urso ou caído em algum precipício.

Carmélia teve a intenção de assumir Catherine como sua criança legítima, como se ela tivesse dado a luz a filha da empregada desaparecida, entretanto o destino conspirou contra sua vontade e fez a criança herdar os traços físicos marcantes da ex-empregada. Os cabelos e os olhos de Catherine eram negros como a noite, a pele alva como a neve, enquanto Carmélia e a maioria dos seus entes exibiam fios acobreados, ou loiros como de Bardo, sardas no rosto e olhos intensamente azuis.

Por isso, mesmo que Carmélia quisesse camuflar a verdade sobre a origem de Catherine, os traços da menina não a permitiram sustentar aquela farsa por muito tempo. Depois de algum tempo, quando a presença dela se tornara visível aos olhos dos visitantes, a mãe da família teve que assumir que havia adotado a filha da criada desaparecida como se fosse sua; um ato que por si só a enobreceu aos olhos do restante da família e dos amigos da corte.

A revelação podia até ter enobrecido sua falsa-mãe, no entanto, tornou Catherine um estorvo, um incomodo, a estranha indesejada dentro da casa. Os irmãos não se importavam em importuná-la, alguns até passaram a tratá-la como se fosse mais uma empregada, ordenando-lhe afazeres. Aliás, a ala dos empregados era aonde Catherine sempre se refugiara e se sentia mais a vontade. A menina aprendera a gostar muito de Elva, a corpulenta governanta e a verdadeira responsável por criar os filhos de Carmélia. Gostava de ver a mulher cantando enquanto sovava a massa de pão ou carregava imensas trouxas de roupas na cabeça direto para área das lavadeiras, gostava também de vê-la cortando e descascando com agilidade os legumes, ou quando preparava imensas formas de biscoitos.

As Origens de SebastianWhere stories live. Discover now