Capítulo 03

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"O calor de um abraço aquece a alma."

- R. Kennedy

Narrado por Alyce

Dizem que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, e eu discordo disso por completo, porque o meu raio, a hiperacusia, sempre esteve predestinado a cair várias vezes no mesmo lugar.


- Ei. - eu os chamo, fitando as costas de um dos rapazes, ele me olha de cima a baixo e sorri - Vocês... - de repente a minha pergunta parece tosca demais e eu mudo de ideia - Essa é a casa do... - espero que alguém termine.

- Spencer? Isso. - um deles tem olhos de terra, enquanto os dos outros eu não consigo identificar.

- Okay. Obrigada. - sorriem, galantes e com bafo.

Eu nunca fui em uma festa, mas sei que elas são lotadas de pessoas e eu sei que a minha pessoa pode estar lá. Não é um bairro muito grande. Entro dentro da casa e por sorte os meus ouvidos não doem tanto. Olho ao redor e vejo iluminadores coloridos e corpos suados a se movimentarem conforme a batida da música.

Eu o procuro, mas não conseguiria identificá-lo nem se a música parasse de me atrapalhar. Por incrível que pareça, mulheres passeiam pra lá e pra cá com vestidos extremamente curtos. Sinto vontade de perguntar se não querem o meu moletom emprestado, mas não uso nada além de um top por baixo dele.

Giro em meus calcanhares, encontrando vários homens que podem ser ele, mas não tenho certeza de nada. Um grupo de garotas passam cambaleando perto de mim e percebo que estou em uma cozinha ao vê-las contornarem um balcão. Tenho uma ideia estranha, mas o impulso me guia. Apoio os antebraços no balcão de mármore e tomo impulso no chão, subindo.

Fico de pé e olho ao redor, tampando os meus olhos da luz colorida. Algumas pessoas me olham, ignoro a vergonha. A música para, num intervalo entre outra música, e eu recebo mais olhares. Ouço um alguém dizer "quem é essa?" antes de alguém tocar a minha canela. Eu voltaria o meu olhar para o pequeno grupo, mas é a garota gentil da biblioteca.

Sorrio grande. Ela o conhece!

- Ei! Desce daí.

Um grito extremamente agudo e alto sai das caixas de som e uma voz feminina começa a cantar. Me agacho no balcão, tampando os ouvidos.

Que droga de música.

Eu me xingo mentalmente por ter sido tão burra e entrado nessa casa. Era óbvio que uma música dolorosa tocaria. Desço do pedaço de mármore, quase caindo, e aperto os olhos com força. A cantora infeliz grita outra vez e eu sinto os meus ouvidos pulsarem de forma mais forte ainda. Minha garganta se fecha e meus olhos queimam.

Eu me ergo, sem reparar nos olhos fixos em mim, e vou o mais rápido possível em direção à porta pela qual entrei.

- Mas que droga. - consigo dizer, com a voz falhando, ao ouvir outro grito.

Eu não sei se sinto vergonha, se corro até as caixas de som e as quebro, saio correndo para longe ou se tampo os meus ouvidos e choro.

De repente o som para e uma mão quente me puxa para fora da casa, me soltando só quando estamos no meio-fio do outro lado da rua.

- Está tudo bem? - a garota pergunta - Sou Coleen e olha, eu queria poder te ajudar. - olha para trás -, mas eu tenho que voltar lá dentro e impedir uma briga. Eu já volto, okay? - ela volta correndo para dentro da casa.

- Sou Alyce. - supiro.

Ouço vaias, por causa da música que parou, e me sento no meio-fio, colocando a cabeça entre os joelhos.

- Olá, Alyce. - alguém diz. Olho para o lado e vejo ele. Está sentado no meio-fio, perto de mim. Ele está com os cotovelos apoiados nos joelhos e me olha, com o sorriso minúsculo.

Eu quero reparar nos seus traços, nos seus olhos que parecem estar mais escuros, mas tudo passa rápido demais.

Eu sorrio e quero me pronunciar, mas um carro preto para em frente ao meio-fio. A cabeça de Alan aparece na janela, com os cabelos bagunçados e olhos avermelhados. Ele me chama e eu não quero ir, porque ele ainda me lança o sorriso minusculo. A porta do carro se abre e eu me levanto preguiçosamente, sem deixar de encará-lo. Entro no carro e meu coração não para de bater desesperadamente.



Outra vez, a hiperacusia me atrapalhou a falar com ele, porque se ela não tivesse aparecido, um amigo de Alan não o contataria e falaria sobre mim. Mas, por outro lado, se não tivesse sido arrastada para fora, não teria visto-o outra vez.

Asp. - HiatusOnde as histórias ganham vida. Descobre agora