Capítulo 9-Reencontros

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Me despedi de Mary após mais algumas especificações sobre o sigilo que deveríamos manter quanto aos treinamentos, e parti rumo à meu lar novamente.

Desta vez já havia decorado o caminho de volta, e apesar de longe, decidi fazer uma caminhada.

Passei por entre as calçadas sujas e muros pichados do subúrbio de Tóquio, e finalmente retornei ao que podia chamar de um bairro decente. Era fim de tarde, e como minha tradição mandava, deitei-me sob a grama perto da ponte, sentindo o calor relaxante pairar sobre mim.

Fechei os olhos, apoiando os braços atrás da cabeça e cruzando as pernas.
Senti a brisa fresca e suave e tentei não pensar em nada.

Lembrei-me de uma rápida lição de Mary sobre o "alfa", um suposto estado de espírito utilizado para meditação.
Não era como uma tarefa de casa nem nada, mas decidi testá-lo mesmo assim.

E era o que estava prestes a fazer, quando fui interrompido por uma legítima voz estridente que- Deus que me perdoe- daria de tudo para estrangular ali mesmo.

Droga.

- Ma-ru-ko!- Gritou de bem longe, pronunciando as sílabas lentamente, como se quisesse me torturar com aquele som irritante saindo do fundo da garganta.

A mesma garota de cabelos cacheados castanhos que havia vindo me procurar há alguns dias- e que eu não sentira a menor falta- vinha em minha direção, acenando, novamente, com um rídiculo sorriso falso no rosto. Por um acaso, a pequena criatura incoveniente tinha um nome.

Louise.

Minha infância e quaisquer outras experiências amigáveis até os 14 anos haviam sido completamente destruídas por aquilo que eu me recusava a chamar de ser humano.

É impossível encontrar uma palavra que possa descrever minha história com Louise. Uma vez que eu acabara de entrar no Jardim de Infância, estava completamente sozinho, e sendo eu, como sempre, tímido de corpo e alma, não tinha com quem conversar e passava a maioria de meus recreios olhando para o vazio.

Eis que surge diante de mim uma menina de cabelos castanhos-escuros repleto de cachinhos, correndo sem parar, pequena em estatura e - ao meu ver, na época- inteiramente inocente.

Não demorou muito para que nos tornássemos amigos. Amigos um tanto incomuns para crianças; passávamos o tempo inteiro juntos. Desde a longa caminhada para chegar a escola primária, até que tivéssemos certeza que havíamos retornado em segurança a nossas casas. Minha pequena e "inocente" melhor amiga simplesmente não me deixava fazer nada sem que eu estivesse em sua companhia.

Louise era muito mais que ciumenta para idade; era quase obcessiva.
De forma doentia.

No meu aniversário de 9 anos, ela compareceu à minha festa, como era de se esperar. Mesmo com a pressão em cima de mim, eu havia conseguido  fazer outros amigos, dentre eles, duas ou três garotas da nossa classe. Digamos que Louise não simpatizou muito bem com ninguém daquele círculo de amizades.

Em certo momento da festa, minha mãe organizou um pique-esconde. Eu era o pegador, enquanto todos os outros se escondiam.

Tudo que lembro de ver após abrir os olhos ao terminar a contagem fora milhares de rostos horrorizados olhando para alguém no canto da sala. Esse alguém segurava um martelo ensanguentado, enquanto todas as outras crianças choravam em volta. Uma das meninas, caída no chão, havia fraturado uma perna, enquanto outra segurava o braço repleto de hematomas como se estivesse prestes a desabar, e no centro de tudo, uma mulher com ferida aberta na cabeça estava sendo socorrida por dois homens desesperados. Ao examinar melhor o rosto da mulher, percebera que não era apenas uma mera estranha, e sim, minha própria mãe.

A pessoa cujo martelo havia sido usado para tais fins era ninguém mais ninguém menos que minha inocente e doce melhor amiga de apenas 8 anos;

Louise.

Por muito pouco minha mãe não morreu naquele dia. Segundo a versão daquela monstra, "tudo foi apenas um acidente". Dias depois, ela foi acusada por tentativa de homicídio e agressão a domicílio. Só não foi parar no conselho tutelar porque seus pais a mandaram para um internato na Suíça. E era lá que Louise estava até aparecer repentinamente para fazer -sabe Deus- o quê.

- O que faz aqui? Já disse- Sussurrei, de forma seca confome me aproximava dela- que não quero nada com você.

- Não seja grosso comigo, bobo! Também já não disse a você que quero uma segunda chance?- Sorriu e começou a tagarelar como sempre- Vejo que você tem ido a lugares bem peculiares, né? Confesso que não imaginava atividades interessantes para fazer dentro de uma caverna...

- Você esteve me seguindo?!- Gritei.

- Não exatamente... Apenas verificando que tipo de locais você andava por frequentar atualmente, com quais pessoas ainda tem amizade... E, aliás quem é aquela garota ruiva?- A expressão em seu rosto mudou por um instante- Não gostei muito do jeito dela...

- LOUISE!- Berrei, na tentativa de parar com seu incessante falatório- Escute, e escute muito bem o que vou dizer: Não faço a mínima ideia do por quê resolveu voltar, ou por quê raios ainda insiste em me procurar, mas quero que saiba que não tenho a mínima intenção de manter relações com você; Nenhum tipo de perdão consertará o passado, e nada pode me provar que algo mudou em sua personalidade, a não ser que me mostre um atestado médico alegando sua sanidade. Caso contrário, esqueça. E se continuar por me perseguir ou ousar fazer mal à minha família outra vez, farei uma queixa na polícia e desta vez você não terá como fugir.

Ela me encarou, completamente pálida.

- Agora, se me der licença, seria um grande privilégio não ter o azar de pousar meus olhos em você outra vez. Nunca mais me procure. Adeus.

Mais uma vez dei às costas e segui meu rumo, sem o mínimo remorso ao ouvi-la soluçar conforme me distanciava. O que aquela deplorável criatura havia feito no passado era imperdoável, e o modo como voltara assim, do nada, tentando agir como se nada nunca houvesse acontecido, só tornava a situação ainda pior.

Que eu nunca mais voltasse a vê-la.

Hantai no SekaiWhere stories live. Discover now