1. Presença Inesperada

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Por Camila

Miami, 15 de fevereiro de 2016

A decisão já havia sido tomada, eu não tenho mais nenhuma pretensão de ficar aqui sendo uma mera telespectadora da minha própria vida, ou o que restou dela. Nada mais faz sentido, eu nunca mais vou me relacionar com ninguém, já estou farta disso. Tudo que eu soube fazer nestes últimos meses foi chorar e me martirizar.

Meu desempenho no trabalho está lamentável e para piorar ainda mais, vão mudar de gestão. "Quem vai querer uma redatora que não consegue nem mais redigir uma matéria sobre crianças brincando no parque?" Minha demissão com certeza estaria na primeira opção da lista deles.

Eu costumava ser a melhor profissional daquele jornal, após 3 anos como redatora principal, sendo sempre elogiada por todos, com minha promoção muito perto de acontecer, tudo foi desmoronado. Eu fui humilhada, abandonada e despedaçada, sendo transformada nisso, na mais insignificante das criaturas.

Sempre fui uma pessoa calma, doce e na maior parte do tempo prestativa, mas agora... nada disso me compõe mais. "Como alguém vai conseguir se concentrar em algo, se não tem mais a capacidade de sentir nada, além de tristeza, mágoa e raiva, muita raiva dentro de si?" Isso não é vida.

"Mas será que devo me despedir de alguém? [...] É melhor não". Eu vou fazer isso sozinha e de uma forma rápida antes que até nisso eu fracasse. Sei que posso até fazer falta para algumas pessoas, mas como não me sinto mais digna de nada, elas logo se acostumarão com minha ausência.

[...]

Havia acordado bem mais cedo naquela manhã, fiquei deitada por alguns minutos olhando detalhadamente todos os pontos daquele quarto, julgando que finalmente aquelas paredes não iriam mais presenciar minhas lágrimas e súplicas, amaldiçoando todas as pessoas.

Observei ali naquele pequeno espaço como eu havia deixado minha essência de lado, abandonado tudo que era, principalmente minha organização metódica, coisa que seria inadmissível por causa do meu perfeccionismo. Tudo ao meu redor estava, literalmente e metaforicamente, uma verdadeira zona.

Levantei, fiz minha higiene matinal e saí. Não fui ao trabalho (não iria mais), e nem liguei dando nenhuma satisfação, ao invés disso, passei no banco e deixei quitado todas as contas que ainda estavam pendentes, tomei um café bem reforçado na padaria e voltei para o meu apartamento, atos bem objetivos e sem muitos rodeios. Resolvi também fazer uma faxina geral e ainda demorei umas 2 horas escrevendo a punho uma carta para Dinah, não seria uma despedida decente, eu tenho consciência disso, mas minha covardia naquele instante não me permitiria além, ela era ainda a única pessoa que eu conseguia deixar de fora do meu casulo de ódio, além é claro de minha irmãzinha Sofia.

Elas talvez iriam sofrer bastante, e pensar nisso ora servia como gatilho para todo estrago na minha cabeça, ora sabotava meus planos. Todavia me confortava pensar que minha melhor amiga, com toda sua complacência e estima, com certeza não demoraria a adquirir uma pessoa mais conivente de sua amizade do que eu, que nos últimos dias fui uma completa escrota com ela.

Apesar do tempo gasto para escrever aquilo, não tinha muita coisa lá, apenas um pedido de desculpas por não ter me despedido da melhor forma, se é que existe alguma forma para fazer isso, e por ter sido uma pessoa terrível com ela nos dias anteriores. Pedi também que ficasse ao lado de Sofia, que nunca a deixasse crescer sozinha e tentei a instruir como ela deveria reportar aquela notícia aos demais, e o que eles fariam com meus pertences. Deixei bem claro que essa minha decisão foi a última saída que eu encontrei, que na verdade era uma válvula de escape miserável que não me permitia pensar alheio aquilo, eu estava farta de tanto sofrimento e rancor dentro mim, não estava mais me suportando. Pedi por último que ela não me odiasse para sempre, por abandoná-la, e que me tomasse de exemplo para nunca deixar que alguém arruinasse sua vida como eu havia permitido outras vezes e por último desta.

SurrenderWhere stories live. Discover now