Conto 1

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Elemento Vital

Helena sempre teve certo poder sobre Carlos. Só de falar "faça isso para mim" que ele ia lá e fazia. Não precisava nem mesmo usar as duas palavrinhas mágicas e isso a irritava.

Veja bem, ela não era mal-educada e muito menos gostava de tirar proveito dos outros, mesmo em um relacionamento. A decisão mais cabível seria terminar. Ainda mais depois que ela descobriu que Antônio estava na cidade.

Provavelmente ele não era mais o mesmo de antes, mas só de pensar em trombar com ele em alguma esquina fazia a espinha de Helena se arrepiar. Ela precisava vê-lo. Seu coração pedia. E não se pode negar os pedidos de um imenso coração.

Ela havia acabado de deixar um homem chorando na padaria. Atravessou a faixa de pedestres correndo, seus saltos batendo contra o asfalto. O som do choro de Carlos ainda estava em sua cabeça. Os soluços exagerados e o teatro pedindo para que ela voltasse atrás, só deixava mais claro que ela tomou a decisão correta. Foi necessário.

Helena só parou de correr quando chegou em casa. No sobrado cor-de-rosa onde morava com a avó. No sobrado onde já havia feito vários trabalhos de escola ao lado de Antônio.

Ah, Antônio...

Abriu a porta e ouviu risadas vindas da cozinha. Ótimo. As vizinhas fofoqueiras da sua avó vieram fazer uma visita, era tudo de que ela precisava. Ouvir que tinha emagrecido demais nos últimos dois meses ou que pena por não ter passado no teste de direção.

Ela ia subindo de fininho para o quarto quando sem querer deixou seu salto bater forte contra o carvalho. Para uma velhinha que tem perfeita audição, ela estava ferrada.

- Querida? É você? - ouviu sua avó chamar ainda na cozinha.

Que maravilha.

- Sim, vovó.

- Venha ver quem está aqui.

Não era exatamente uma das vizinhas fofoqueiras que aguardava sua presença na cozinha. Era sim um vizinho, na verdade um vizinho de longa data que havia se mudado há uns dois anos para o outro lado do planeta. Que irônico. Ele estava bem sentado ali à sua frente. Confortável na cadeira rústica que decorava a cozinha e a deixava com ar medieval. Sobre a mesa havia bolo de milho, que Helena se lembrava muito bem ser o seu preferido.

Ela ainda estava parada na porta de olhos arregalados para o ser à sua frente. Antônio não estava nada diferente. Seus cabelos continuavam loiros em um tom claramente natural. Seus olhos continuavam castanhos claros, quase verdes. Seu sorriso continuava expondo sua gengiva e dentes perfeitamente brancos, porém levemente tortos. Helena se lembrava que ele usou aparelho nos dentes durante três anos, mas depois resolveu tirar por conta própria. Ele era meio impulsivo.

- Oi, Helena - ela ouviu aquela voz estranhamente familiar chegar aos seus ouvidos.

Sua voz. Ah, sua voz. Continuava a mesmíssima coisa. Aquela voz nem grave nem fina. Aquela voz que fazia seu coração acelerar de tal forma que ela sempre achava que estava prestes a ter um ataque. Aquela mesma voz que havia dito que iria embora à três anos atrás, no entanto estava ali agora dizendo oi para a moça que sonhara a tanto tempo com esse momento.

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