Conto 3

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Sexta-feira à noite

Samuel havia saído de casa fazia uma semana. Ele nunca se deu bem com a família adotiva e eles nunca ligaram muito para ele também, prova disso era que até agora ninguém havia ligado ou mandado mensagem perguntando onde ele havia se metido.

Ele sabia que isso aconteceria, que uma hora jogaria as cartas na mesa, que gritaria o que sentia e depois sairia pela porta da frente para nunca mais voltar. E ele realmente não iria voltar. Ele não sentia falta de ninguém, ou, pelo menos, de quase ninguém.

"Tem uma semana que você não aparece na escola"

Ele releu a mensagem dez vezes e ainda não tinha noção do que responder. O que ele diria para ela? Que tinha fugido para um celeiro abandonado no meio do nada? Bom, essa era a verdade.

"Tive uns problemas", foi sua resposta.

Quase que imediatamente sua mensagem foi respondida.

"Que tipo de problemas?"

Samuel se ajeitou em meio aos fenos. Havia feito uma fogueira para se manter aquecido durante as noites frias que faziam no Tennessee. E, por sorte, o último dono daquele lugar havia deixado uns cobertores velhos por ali. O resto das coisas de que necessitava, como banheiro e tomada para carregar o celular, ele encontrava em um posto perto dali.

"Eu saí de casa", ele resolveu dizer a verdade, nunca foi seu forte mentir para ela.

"O QUÊ??"

Ele conseguiu rir, imaginou a cara dela ao ler a mensagem, mas rapidamente ficou tenso de novo. Para onde ele iria?

"Onde você está?", ela perguntou antes que ele mandasse mais alguma mensagem.

"Em um celeiro não muito longe da avenida principal"

"E como faço para chegar aí?"

"Ficou louca, Jane? São dez da noite"

"E daí? Eu preciso te ver, saber se está bem."

"Eu estou bem. Prova disso é que estou conversando com você agora. Coisa que não seria possível se estivesse morto"

"Samuel! Para. Nem brinca com isso", ele riu de novo.

Era surreal a maneira que ele sentia quando estava falando com ela. Se sentia mais leve, como se não houvesse problemas que enfrentar. Ele quase sempre se esquecia de quem era, porque se tornava uma pessoa diferente ao lado dela, uma pessoa nova e ele gostava disso, gostava da maneira que ela o desarmava.

"Tá bom. Parei"

"É sério. Eu quero te ver. Fala logo em que buraco se enfiou"

Então ele lembrou. Lembrou do melhor dia da sua vida. Lembrou da última sexta-feira à noite quando estavam no parque do bairro onde moravam. Lembrou do primeiro beijo que deram e de como sua vida virou de cabeça para baixo depois disso, mas não por culpa do que sentia por ela, por culpa da família ao qual resolveu confiar e, como todas as outras, não estavam nem aí para ele e sua confiança.

"Isso não tem nada a ver com sexta, tem?", ele perguntou torcendo para que ela não entendesse a frase no sentido errado.

"Me deixaria ir se eu dissesse que sim?", ela sorriu enquanto escrevia a mensagem e ele sorriu quando a leu.

"Talvez"

Samuel se sentou desajeitadamente em meio aos fenos ainda com um sorriso bobo na cara. Passou a mão pelos cabelos e resolveu deixar que ela viesse. Mandou um print do GPS e desejou uma boa viagem de meia hora até seu destino.

Quando ele viu a BMW de Jane dar sinal de vida em meio ao breu, suas mãos começaram a suar e sua barriga começou a doer, de uma maneira engraçada. Não havia sequer um dia em que ele não pensasse nela desde que fugiu e agora ela estava apenas alguns metros de distância.

Jane desceu do carro e correu em direção ao amigo lhe ofertando um abraço caloroso e cheio de saudade. Ela sentiu naquele momento que gostava dele de uma forma diferente com toda a certeza do mundo. Histórias assim são contadas em vários livros e filmes, mas ela nunca pensou que poderia acontecer com eles. Só que aconteceu e a única coisa que ela podia e queria fazer era abraçar essa oportunidade como eles estavam se abraçando naquele momento.

Samuel inspirou fundo o cheiro de shampoo nos cabelos encaracolados dela e deixou um sorriso tomar conta de seus lábios. Sua mente eliminou todos os problemas e passou a projetar imagens dos momentos bons que ele havia vivido com ela e que possivelmente irá viver.

Quando os dois se soltaram, ambos estavam da cor de um tomate, por causa do frio e da vergonha. Eles sorriram um para outro e Samuel tomou a coragem de estender a sua mão para tocar o rosto de sua amada amiga.

- Eu senti saudades, sabia? - Jane disse baixinho enlaçando a cintura de Samuel com carinho.

- Sentiu, é? - ele sorriu levando sua mão a nuca da garota, sorriu ainda mais quando percebeu que a fez arrepiar.

Seus rostos estavam a milímetros de se tocarem e quando seus narizes se esbarraram, Samuel disse:

- E o que você pensou que faria quando me visse?

- O que eu vou fazer agora.

Então ela o beijou.

Sobre melhores amigosWhere stories live. Discover now