Conto 2

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Coisas que acontecem

Anastácia estava parada no ponto de ônibus sozinha. Não havia sequer uma alma viva passando por ali e, cada vez que um carro se aproximava, ela se encolhia com medo de ser assaltada.

Não eram esses os planos para uma noite de sexta-feira. Ela queria estar sentada à mesa com os pais de seu namorado comendo uma deliciosa lasanha de quatro queijos. E, após isso, sentariam na grama do jardim e contariam estrelas. Esse era o plano para sexta-feira, para essa sexta-feira, mas não era o que realmente estava acontecendo.

Anastácia se encolheu no banco e afundou sua cabeça entre as pernas. Estava completamente encharcada devido a chuva forte que caía das nuvens de Manhattan. Tudo estava um completo caos e ela estava chegando a cogitar que a hipótese de Epicuro era realmente verdadeira. A existência humana é mesmo dolorosa.

Ela suspirou e apertou os olhos tentando fazer com que as lágrimas parassem de cair. Ela precisava entender que coisas acontecem com quem tem que acontecer. E ela era a vítima do dia. Completamente arrasada pela vida e pela chuva.

Anastácia sempre detestou chuva e olha que hilário, no pior dia da sua vida, litros de água caem do céu continuamente sem se importar com os degostos da garota. São coisas que acontecem, Anastácia.

Um movimento ao seu lado a fez apertar mais ainda suas pernas. Ela estava quase prevendo seu futuro: perdendo sua bolsa e sendo jogada dentro de uma lata de lixo. E o que sobraria? Conselhos estoicos dizendo-a para ser resignada. Aceite, Anastácia, e siga a vida. São os acontecimentos inevitáveis.

- Ei, moça, você está bem? - uma voz masculina seguida de uma mão em seu joelho a fizeram soltar um grito.

Lourenço Morais pulou do banco e involuntariamente cobriu o rosto com as mãos para impedir qualquer ataque da menina louca à alguns metros. Anastácia respirou ofegante e fechou os olhos tentando normalizar as batidas de seu coração despedaçado.

- Me desculpe - ela ouve a voz mais uma vez e, dessa vez, se permite olhar para o dono - Eu... Eu só pensei que a senhorita estivesse precisando de alguma ajuda.

Anastácia engoliu em seco e abaixou as pernas tocando os pés no chão. Ela estava completamente molhada, da cabeça aos pés. E então ela percebeu que o rapaz estava na mesma situação.

- Ah, meu Deus. Saía daí, está chovendo - ela gesticula apontando para o espaço vazio ao seu lado.

Lourenço franze a testa, mas acaba dando de ombros e sentando ao seu lado. Ele não estava a fim de pegar uma pneumonia logo na semana de provas da faculdade. Como os filósofos responderiam a isso mesmo? Resignação.

Anastácia não sabia o que falar, manteve seu olhar fixo em algum ponto do outro lado da rua e tentou evitar pensar na matriz da situação, mas era inevitável. Ela estava sofrendo a pior das dores. Sua vida virou de cabeça para baixo em menos de um dia e tudo o que sobrou foi chuva e alguns pedaços do seu coração. Ela quase conseguia ver as partes esparramadas no chão pedindo socorro para ser restituído o mais rápido possível.

- Eu não posso mesmo te ajudar? - Lourenço resolveu quebrar o silêncio olhando diretamente para a menina. As coisas com ele eram assim: rápidas e fáceis. De complicado já bastava a vida.

Ela focou seus olhos no chão e respirou fundo para não divagar novamente. Afinal, o rapaz não tinha culpa das coisas que aconteceram a ela. Mas, mesmo assim... O que ele poderia fazer?

- Sabe, - ele sorriu -, eu sou um bom ombro amigo. Ombros para chorar, ouvidos para ouvir. Pacote completo.

Por incrível que pareça, Anastácia soltou uma risada tímida e então se virou para ele. Ela reparou em seu cabelo ruivo totalmente bagunçado e nas blusas xadrez de manga comprida. Ele se vestia como um universitário geek. E ela gostou disso.

- Estamos encharcados - ela riu de novo analisando as roupas e rosto do rapaz. Ele franziu o cenho, mas tinha uma expressão divertida no rosto.

- Esse é o seu problema? - Lourenço fez graça.

Anastácia deixou seu sorriso murchar sem querer. Ela quase havia se esquecido de seu ex-namorado babaca. E quis chorar de novo ao se lembrar das palavras proferidas por ele. Ela precisava prestar mais atenção às aulas sobre o estocismo.

- Não, não - Lourenço apressou-se em dizer se arrependendo de ter feito a piada  - Não chora. Por favor. Eu... Não reajo bem à meninas chorando.

Mas era inevitável. As lágrimas pareciam ter vida própria e pulavam dos olhos da menina buscando liberdade. Elas faziam uma revolução dentro dos olhos da estudante de Filosofia. Precisavam de sua independência como ela precisava de respirar.

Então Anastácia apertou suas mãos na coxa e  respirou fundo contando até dez. Pelo menos uma coisa útil sua mãe havia lhe ensinado antes de deixá-la para trás e seguir sua vida de violinista. Coisas que acontecem, Anastácia aprendeu.

- Eu tenho tantos problemas - ela disse baixinho e Lourenço quase não escutou, mas aquela frase era rotineira na vida dele. Psicólogos sempre escutam isso.

- Todos temos problemas. Não podemos deixá-los tomar conta de nós. Ainda há alguma coisa nessa vida que te faça feliz, não? - ele arriscou um sorriso para a moça.

Anastácia concordou em silêncio e se perdeu mais uma vez em seus pensamentos. Seus olhos marejaram em pensar que todos que amavam a haviam deixado sem pestanejar.

- Mas e... E se eu estiver sozinha? Tipo, eu não tenho mais ninguém.

Lourenço a olhou com compaixão e sorriu mais uma vez. Anastácia estava começando a achar que a vida dele era muito boa para ficar dando sorrisos de graça para todo mundo. Ela não podia estar mais enganada.

- Acho que temos alguma coisa em comum - ele disse baixinho enquanto se inclinava para perto dela.

Anastácia o encarou e ergueu as sobrancelhas como quem diz: "isso é sério ou você está zoando com a minha cara?".

- Eu sei que não parece, mas eu sou tão solitário quanto você. Meus pais nunca foram muito amáveis comigo. Fui um adolescente muito sozinho e problemático. Foi por isso que resolvi cursar psicologia.

Ela sorriu e enxugou as lágrimas na manga da blusa. Eles realmente tinham algo em comum.

- Eu deveria ter feito o mesmo invés de Filosofia - ela comentou cortando o assunto desagradável pela raiz.

- Filosofia? Sério? Isso é... Surpreendente - sua cara de surpresa fez Anastácia soltar uma risada.

- Você está tentando fingir que acha interessante.

- É claro que não - ele fez uma cara de ofendido e depois riu - É que você não tem cara de filósofa.

Anastácia riu mais uma vez mas não pôde deixar de concordar com a observação muito boa dele.

- Gostei de você, Lourenço.

- Gostei de você, Anastácia.

Eles sorriram um para o outro e ele estendeu a mão na direção dela.

- Amigos?

- Amigos - ela apertou sua mão.

Sobre melhores amigosWhere stories live. Discover now