XI

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No dia que seguiu estas largas caridades recolhi a Guiães. E, desde então, tantas vezes trotei pôr aquelas três léguas entre a nossa e a velha alameda dos Jacintos, que a minha égua, quando a desviava dessa estrada familiar, conduzindo-a a uma cavalariça familiar (onde ela privava com o garrano do Melchior), relinchava de pura saudade. Até a tia Vicência se mostrava vagamente ciumenta daquela Tormes, para onde eu sempre corria, daquele Príncipe de quem incessantemente celebrava o rejuvenescimento, a caridade, os pitéus, e as quimeras agrícolas. Já um dia com um grão de sal e ironia – o único que cabia num coração todo cheio de inocência – , ela me dissera, movendo com mais vivacidade as agulhas da sua meia:

– Olha que te podes gabar! Até me tens feito curiosidade de conhecer esse Jacinto... Traz cá essa maravilha, menino!

Eu rira:

– Sossegue, tia Vicência, que a trarei agora, para o dia dos meus anos, a jantar... Damos uma festa, haverá um bailarico no pátio, e vem aí toda essa senhorama dos arredores. Talvez até se arranje uma noiva para o Jacinto.

Eu, com efeito, já convidara meu Príncipe para este "natalício". E de resto, convinha que o senhor de Tormes conhecesse todos aqueles senhores das boas casas da serra... Sobretudo, como eu lhe dizia rindo, convinha que ele conhecesse algumas mulheres, algumas daquelas fortes raparigas dos solares serranos, porque Tormes tinha uma solidão muito monástica; e o homem, sem um pouco do eterno Feminino, facilmente se endurece e ganha uma casca áspera como a das árvores, na solidão.

– E esta Tormes, Jacinto, esta tua reconciliação com a Natureza, e o renunciamento às mentiras da Civilização é uma linda história... Mas, caramba, faltam mulheres!

Ele concordava, rindo, languidamente estendido na cadeira de vime:

– Com efeito, há aqui falta de mulher, com M grande. Mas essas senhoras aí das casas dos arredores... Não sei, mas estou pensando que se devem parecer com legumes. Sãs, nutritivas, excelentes para a panela – mas, enfim, legumes. As mulheres que os poetas comparam às flores são sempre as mulheres das cortes, das Capitais, às quais, invariavelmente, desde Hesíodo e Horácio, se rendem os poetas... e evidentemente não há perfume, nem graça, nem elegância, nem requinte, numa cenoura ou numa couve... Não devem ser interessantes as senhoras da minha serra.

– Eu te digo... A tua vizinha mais chegada, a filha do D. Teotônio, com efeito, salvo o respeito que se deve à casa ilustre dos Barbedos, é um mostrengo! A irmã dos Albergarias, da Quinta da Loja, também não tentaria nem mesmo o precisado santo Antão. Sobretudo se se despisse, porque é um espinafre infernal! Essa realmente é legume, e não dos nutritivos.

– Tu o disseste: espinafre!

– Temos também a D. Beatriz Veloso... Essa é bonita... Mas, menino, que horrivelmente bem falante! Fala como as heroínas do Camilo. Tu nunca leste o Camilo... e depois, um tom de voz que te não sei descrever, o tom com que se fala em D. Maria... Enfim, um horror! E perguntas pavorosas. "V. Exª, Sr. Doutor, não se delicia com Lamartine?" Já me disse esta, a indecente!

– E tu?

– Eu! Arregalei os olhos... "Ó Lamartine!" Mas, coitada, é uma excelente rapariga! Agora, pôr outro lado, temos as Rojões, as filhas do João Rojão, duas flores, muito frescas, muito alegres, com um cheiro e um brilho a sadio, e muito simples... A tia Vicência morre pôr elas. Depois há a mulher do Dr. Alípio, que é uma beleza. Ó! uma criatura esplêndida! Mas, enfim, é a mulher do Dr. Alípio, e tu renunciaste aos deveres da Civilização... Além disso, mulher muito séria, toda absorvida nos seus dois pequenos, que parecem dois anjinhos de Murillo... E quem mais? Já agora, quero completar a lista do pessoal feminino. Temos a Melo Rebelo, de Sandofim, muito engraçada, com cabelo lindo... Borda na perfeição, faz doces como uma freira do antigo regime... Havia também uma Júlia Lobo, muito linda, mas morreu... Agora não me lembro de mais. Mas falta a flor da Serra, que é a minha prima Joaninha, da Flor da Malva! Essa é uma perfeição de rapariga.

A Cidade e as Serras (1901)Onde histórias criam vida. Descubra agora