XIII

175 11 2
                                    

Ai de mim! a festa do meu aniversário não se passou com brilho, nem com alegria!

Quando o meu Príncipe entrou na sala, com uma elegância (onde eu senti as malas de Paris, abertas na véspera) – uma rosa branca no jaquetão preto, colete branco lavrado e traspassado, copiosa gravata de seda branca, tufando, e presa pôr uma pérola negra – já todos os convidados estavam na sala – , o D. Teotônio, o Ricardo Veloso, o Dr. Alípio, o gordo Melo Rebelo, de Sandofim, os dois manos Albergarias, da Quinta da Loja – todos de pé, num pelotão cerrado. Em torno do sofá onde a tia Vicência se instalara, um magotezinho de cadeiras reunira as senhoras – a Beatriz Veloso, de cassa branca sobre seda, que a tornava mais aérea e magra, com a sua trunfa imensa de cabelo riçado; as duas Rojões (com a tia Adelaide Rojão) vermelhinhas como camoesas, ambas de branco; e a mulher do Dr. Alípio, de preto, esplêndida como uma Vênus Rústica... E foi na sala, como se realmente entrasse um Príncipe, desses países do Norte onde os Príncipes são magníficos, muito distantes dos homens, e aterram as gentes. Um silêncio, como se o teto de carvalho descesse, nos esmagava: e todos os olhos se enristaram contra o meu desgraçado Jacinto, como numa caçada hindu, quando orla da floresta surge o Tigre Real. Debalde – nas confusas, apressadas apresentações, com que eu o levava através da sala – , os seus apertos de mão, os sorrisos, o vago murmúrio, "da sua honra, do seus apertos de mão, os sorrisos, o vago murmúrio, "da sua honra, do seu prazer", foram repassados de simpatia, de simplicidade. Todos os cavalheiros permaneciam reservados, observando o Príncipe, que subira à serra; e as senhoras mais se aconchegavam à sombra da tia Vicência, como ovelhas à volta do pastor, quando na altura assoma o lobo. Eu, já inquieto, lancei o D. Teotônio, o mais ornamental daqueles cavalheiros.

– O Sr. Teotônio foi muito amável em vir, Jacinto. Raras vezes sai da sua linda casa da Abrujeira. O digno D. Teotônio sorriu, cofiando os espessos bigodes brancos, de velho brigadeiro:

– V.Exª chegou diretamente de Viena?

– Não! – Jacinto viera diretamente de Paris, com o amigo Zé Fernandes. D Teotônio insistiu:

– Mas certamente visita muitas vezes Viena...

Jacinto sorriu surpreendido:

– Viena, pôr que?... Não. Há mais de quinze anos que não vou a Viena.

O fidalgo murmurou um lento ah! e ficou calado, de pálpebras baixas, como revolvendo análises profundas, com as mãos cruzadas sob as abas da longa sobrecasaca azul.

Eu então, vigilante, lancei o Dr. Alípio:

– O nosso Doutor, meu caro Jacinto, é o mais poderoso influente de todo o distrito.

O Doutor curvou a cabeça bem feita, com um belo cabelo preto, admiravelmente alisado e lustroso. Mas a tia Vicência, que se erguera do sofá., chamava o meu Príncipe, porque o Manuel anunciara o jantar, mudamente, mostrando apenas, à porta da sala, a sua corpulenta pessoa – –inteiriçado e vermelho.

À mesa, onde os pudins, as travessas de doce de ovos, os antigos vinhos da Madeira e do Porto, nas suas pesadas garrafas de cristal lapidado, fundiam com felicidade os seus tons ricos e quentes, Jacinto ficou entre a tia Vicência e uma das Rojões, a Luisinha, sua afilhada, que, pôr costume velho, quando jantava em Guiães, sempre se colocava à sombra da sua boa madrinha. E a sopa, que era de galinha com macarrão, foi comida num tão largo e pesado silêncio que eu, na ânsia de o quebrar, exclamei, ao acaso, sem pensar que me achava em Guiães depois de tanto tempo e em minha própria casa:

– Deliciosa, esta sopa!

Jacinto ecoou:

– Divina!!

A Cidade e as Serras (1901)Nơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ