Capítulo 2

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Argentina, 2005

O sol já brilhava há algumas horas quando - com uma tremenda enxaqueca devido à experiência da noite anterior - Gregório acordou. Novamente tivera aquele estranho sonho - o homem que se afogava. Esse sonho era recorrente e o incomodava há muito tempo. Com os olhos ainda tentando se ajustar à claridade, pegou seu relógio na cômoda da cabeceira do modesto quarto do Hotel Alvar – o quarto de hotel mais de acordo com as possibilidades do momento – e percebeu com certo desconforto que havia perdido o café da manhã incluso na diária.

Na noite anterior, Gregório havia andado pelas ruelas estreitas da estranha cidade que resolveu conhecer ao norte da Argentina. Purmamarca – haviam lhe dito – era um estranho enclave sul-americano com aparência de velho-oeste ao norte do país. Ruas retas empoeiradas pela fina terra das montanhas ao redor, casas ainda em tijolos conservando a aparência elegante e antiga.

**

- Você tem que conhecer Purma! – avisava Juan, guia de montanhas que Gregório havia contratado em El Chaltén para levá-lo até a base do Cerro Torre.

Após uma caminhada árdua, em que calçara pela primeira vez granpons para poder andar pela superfície gelada (o que causou certa estranheza aos pés acostumados com botas de caminhada), atingiu o objetivo, proporcionando uma vista fantástica dos glaciares gelados que recobrem o sul do continente. Após caminhar sob frio congelante, que chegava aos dois graus negativos em pleno verão, o grupo, composto por ele, pelo guia e mais três americanos decidiu retornar à cidade de El Chaltén para o descanso. Já passava das cinco da tarde e, como o sol ainda brilhava no céu, Gregório e Juan decidiram tomar uma cerveja em um dos bares da cidade após despedirem-se dos demais.

Juan contou orgulhoso que ele descendia dos antigos Incas - como boa parte dos moradores da Quebrada de Humahuaca, região árida ao norte da Argentina -, e que decidira tentar a sorte como guia de montanha na parte sul do país, mais visitada por turistas abastados provenientes da Europa.

- Com isso ganho o suficiente para sustentar minha família e ainda consigo mandar la plata para minha mãe no Norte – afirmava um satisfeito Juan. – E sigo sendo um dos poucos da família que conseguiu se manter em outra atividade que não o comércio de artesanatos nos Andes.

- Mas você não sente falta da família ou de sua cidade natal? – perguntou Gregório interessado.

Juan refletiu por alguns instantes bebericando mais um pouco de sua cerveja e disse:

- Sinto muita falta da Quebrada. Sinto falta da paisagem, do clima, da comida da minha mãe sempre com carne de lhama para sustentar as noites frias. Sinto falta de estar com minha gente simples, com o rosto lavrado pela lida com a terra. Mas foi aqui que me realizei, onde conheci minha esposa e tive meus filhos, estudei e decidi abrir minha agência de turismo. Nasci na Quebrada, me criei nos Glaciares!

Interessado em conhecer novas paisagens, Gregório perguntou sobre a Quebrada. Sabia que a Quebrada de Humahuaca era uma região ao norte da Argentina que abrangia a província de Jujuy até os limites com a Bolívia e era habitada por descendentes dos Incas, antigos habitantes da região que chegaram a constituir um dos maiores impérios de todos os tempos, mas foram dizimados pelos invasores espanhóis no descobrimento.

- La Quebrada – explicou Juan – esconde muitos mistérios!

A forma como Gregório se ajeitou na cadeira, fazendo barulho ao bater na mesa e quase quebrando a garrafa da cerveja, chamou a atenção não só de Juan – que se animou ainda mais a falar – mas também de todos os frequentadores do barzinho acanhado que servia café e chocolate para esquentar a tarde fria.

O Templo da Magia (Reinos em Guerra - Livro 1)Where stories live. Discover now