Capítulo 11

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Com gotas de suor escorrendo por sua face, Juarez, um catador de latas que trabalhava pelas ruas de Buenos Aires, tomava uma Coca-Cola gelada enquanto descansava à sombra de um edifício alto situado na calle Florida. Fazia forte calor, como nunca havia sentido em toda sua vida. Viu na televisão, em um dos bares do centro, que os meteorologistas estavam reunidos tentando compreender o que estava acontecendo. Provavelmente – diziam – era uma onda súbita de calor vindo do continente, possivelmente do Planalto Central brasileiro. Diziam que os estados do sul do Brasil – principalmente o Rio Grande do Sul – já apresentavam temperaturas bem acima do normal para a época.

Naquele dia, Juarez já havia conseguido latas de alumínio suficientes para garantir o sustento de sua família para o resto da semana. Havia tido muita sorte pois, ao perder o emprego como ascensorista em um prédio no centro, achou realmente que iria morrer de fome. O que seria de Maria? E da pequena Anita? A crise que assombrava a Argentina parecia longe de se encerrar e vários amigos estavam à beira do desespero. Porém Juarez havia tomado uma atitude. Certa vez um empresário brasileiro participou de uma reunião no prédio em que trabalhava e havia tido dois minutos de conversa com ele no elevador, deixando para ele uma revista brasileira. Apesar das dificuldades com a língua portuguesa conseguiu entender do que se tratava. A matéria falava do sucesso de catadores de latas de alumínio no Brasil e contava como eles haviam se agrupado em cooperativas e faturavam até vinte pesos por dia. Não era um valor muito alto, porém com um pouco de esperteza poderia virar um empreendedor na área da reciclagem faturando alto com o negócio. E esperteza ele tinha de sobra. Conversou com alguns amigos, montaram um negócio do tipo na Argentina e partiram para a luta. Não era muito dinheiro, mas era próximo do salário que recebia como ascensorista. Além disso, o negócio prosperava e já começavam a vender quase uma tonelada de alumínio por mês para as recicladoras. Logo eles começariam a tentar entrar para o ramo da reciclagem e aí sim estariam prontos para faturar alto.

Juarez enxugou a testa molhada de suor. Tomou mais um gole do refrigerante que havia comprado na rua e que já começava a esquentar devido ao calor. Amassando a lata com os pés, jogou o objeto na carroça que ele puxava durante todo o dia. Mais uma pra contagem. Segurou firmemente o puxador do carrinho com as duas mãos e se posicionou para puxar o carrinho pelas ruas da capital.

Foi então que ele ouviu.

De início um barulho quase imperceptível chamou sua atenção, porém Juarez não deu bola. Estava em um dos becos de Buenos Aires, na região dos restaurantes do centro e, com aquele calor, havia muitas moscas à procura de alimentos e lugares seguros para botar seus ovos. Nos últimos anos uma campanha maciça da prefeitura havia eliminado todas as pragas urbanas, mas ultimamente havia mais insetos que o normal.

Mas aquele barulho estava alto demais.

Juarez parou assustado. Sentindo o coração bater cada vez mais acelerado decidiu sair daquela viela o mais rápido possível. Segurou as alças do carrinho com força e acelerou o passo.

Mal havia começado o caminho, porém, Juarez ouviu uma pancada. Ruído de latas batendo contra o chão mais o som de passos acompanhados por um zumbido ensurdecedor.

Atordoado, Juarez não queria olhar para trás. Mas olhou, e quando isso aconteceu desejou nunca ter tido esta coragem. O final da viela, já próximo ao muro do shopping, estava totalmente enegrecido pela quantidade absurda de moscas. No chão, baratas, lacraias e outros bichos nojentos se espalhavam pelas latas, paredes, caixas, corrimãos e tudo o mais que pudessem subir.

Mas realmente isso não amedrontou Juarez. O que o assustou realmente foram os dois seres que se encontravam mais ao fundo, e que o olhavam fixamente. Juarez congelou no ato. Tentou correr, porém sentiu que suas pernas não obedeciam, teimando em ficar paradas.

- Quietas! Vamos! Se mexam!

Porém, continuava paralisado, sentindo o coração bater cada vez mais forte. Viu quando os dois seres se mexeram. Na realidade não se mexeram, mas sim planaram sobre o solo, batendo dois pares de asas velozmente, se erguendo do chão como duas moscas gigantes. Juarez estava completamente aterrorizado quando viu um dos dois seres apontar sua mão – ou o que poderia ser chamado de mão – para ele, zumbindo mais alto que todos os insetos presentes.

O que se passou na sequência foi muito rápido. Com espanto, Juarez viu quando uma multidão de insetos alçou voo rapidamente e um caos de asas e patas caiu sobre ele. Rapidamente todo seu corpo foi tomado pelas patas duras e Juarez caiu, sentindo nojo do que estava acontecendo. Sentiu quando os insetos começaram a invadir seu corpo pelas narinas, boca e olhos, sufocando-o. Teve um pressentimento macabro – seu corpo iria servir de banquete àquelas criaturas.

Antes de morrer, Juarez apenas pôde ver, com o canto dos olhos, dentes afiados e uma estranha baba verde escorrendo por entre eles.


FIM DO LIVRO 1

Reinos em Guerra continua com O Livro de Luaror, disponível aqui no WattPad.

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⏰ Last updated: Jun 27, 2017 ⏰

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O Templo da Magia (Reinos em Guerra - Livro 1)Where stories live. Discover now