9º "Virtudes"

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A primeira noite de Audrey em Coharnil parecia não acabar. Após ter conhecido a casa, escolheu um dos quatro quartos, levou todas suas malas para lá e sentou sobre a cama, que ficava encostada na lateral da parede. Olhou em volta do novo ambiente. O tamanho não era muito diferente do de São Paulo e a disposição dos móveis também era parecida. Contudo, não era seu quarto. Não era sua casa. Em São Paulo, morou metade da sua vida no mesmo lugar. Só estudara em duas escolas diferentes. Sempre quis sair um pouco da sua rotina.

Não mais. Audrey não queria estar ali. Se pudesse, faria de tudo para voltar à sua cidade, à sua antiga casa. Faria de tudo para rever sua família, seus amigos, para falar mais uma vez com Ivan. Dar mais um abraço em sua mãe. Mas agora estava só. Sem ninguém conhecido. Abraçou o travesseiro daquela cama, sentindo as lágrimas rolarem pelo seu rosto. Sabia que não seria fácil adaptar-se aquela nova vida e, principalmente, que não poderia fazer nada a respeito.

Ao deitar, sentiu algo em sua coxa, que a incomodou momentaneamente. Por reflexo, se sentou outra vez e viu que a causa do incômodo fora seu celular. O mesmo estava sem bateria. Correu colocá-lo para carregar. Pela ansiedade, parecia que o 1% não aparecia nunca. Quando finalmente conseguiu ligá-lo, correu encontrar o contato de sua mãe, que não demorou muito a atender. A ligação distraiu um pouco a garota, que começou arrumar suas malas, guardando seus pertences no armário que cobria toda parede oposta à cama. Laís deixara o abafador com Audrey, podendo voltar de avião. Aguardava o horário do voo.

Ao desligar, deitou-se outra vez e conferiu as mensagens pendentes em seu celular. O celular automaticamente se conectava a um sinal de internet fornecido a escola, pois assim a central conseguia conferir as trocas de mensagens dos alunos. Só teve forças para responder Clarisse, dizendo que muitas coisas estavam acontecendo e que ainda não estava preparada para conversar, mas que sua mãe logo entraria em contato.

Audrey encontrou em uma das gavetas de uma cômoda que ficava ao lado da porta, um papel com os detalhes de todos os lugares que viu quando Ronnan lhe apresentou a escola. Sem muita paciência de estudar os lugares, já que eram muito mais do que imaginava, escolheu o primeiro restaurante que lhe chamou a atenção para ir jantar.

Usar o cano que estava no quintal sozinha, foi estranho. Não estava certa de que se apenas falasse o nome do restaurante "Emílio 9", seria levada a um dos restaurantes da escola. Ao entrar na cabine, falou o nome e pouco tempo depois, já estava lá. Não tinha fome, portanto serviu-se de pouca quantidade com os alimentos ali fornecidos e ainda deixou metade da comida no prato, o que ajudou a não demorar para voltar.

A casa era grande e Audrey poderia ficar em qualquer cômodo, só que ficar em seu novo quarto, era o que mais lhe agradava. No caso, menos lhe incomodava. Abriu uma das janelas para sentir a brisa da noite. A visão dava para o imenso corredor da escola. Estranhamente sentiu estar exposta em um ambiente que não tinha familiaridade alguma, por isso, optou a outra janela. Ao apoiar os braços, deparou-se com uma outra janela a sua frente, da casa de Luca e pareceu que, além da casa, ali também era o quarto dele, pois reconhecera sua voz.

— Será que você poderia ficar quieto? Obrigado – disse Luca. Um pequeno tempo em silêncio se passou, até ele retomar a falar. – Se você achou ela simpática e bonita, arranjo um encontro pra vocês – completou, sarcástico e ríspido.

Outro silêncio. Com certeza Luca conversava com alguém, mas quem seria? A garota não escutava vozes respondendo. Provavelmente, falava ao telefone.

— "Só por que ela roubou minha casa?" – Luca falava como se estivesse a imitar uma frase dita por alguém. O tom usado fora debochador, e ao mesmo tempo, indicava que a resposta para a frase, era positiva.

Queria ouvir mais, até passar pela cabeça da garota, que ela poderia ser o sujeito em questão. Quando Luca disse que a casa nº3 estava vazia, ele pensou muito antes de noticiar e ainda por cima, falou com tristeza. Se a casa já estava reservada, por que ele simplesmente não falou? Sentia-se culpada por tomar o lar de alguém. Todavia, não iria voltar atrás. Se fosse realmente um problema, ele não deveria omitir. Resolveu não ouvir mais nada daquela conversa, afastou-se da janela e se deitou para dormir, sentindo um enorme desconforto, pensando sobre o dia seguinte. Colocou o celular para despertar, mas o nervosismo a fez acordar bem antes do horário colocado. Tomou um rápido banho e organizou mais alguns de seus pertences no quarto, percebendo o quão inútil foi trazer sua mochila da escola. Imaginava com exatidão de que ela não seria necessária ali. Pelo menos tinha seu caderno de desenho, cujo seria uma ótima salvação aos seus acúmulos de sentimentos torturantes.

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