Depois do Ritual (romance gay)

[TRINTA E NOVE]: NICHOLAS DANVERS

NICHOLAS

Me sinto mais gélido do que talvez possa me sentir um dia. Ter essa conversa com meus pais não estava em meus planos para o meu último ano de colegial, embora eu soubesse que em algum momento da minha vida isso fosse chegar. Preciso ter coragem, porque a certeza de que não estou fazendo nada de errado já é real em minha cabeça. Amar não é errado, independente de quem seja. Amar é um presente, e não escolhemos quem amamos, e da forma que acredito, nos apaixonamos por almas, e almas não tem gêneros, corpos são só uma forma delas se materializarem no plano que estamos existindo nesse exato momento.

Minha cabeça dói. Estou com mais informações do que consigo lidar, e ainda preciso terminar de passar os textos que recebi para finalizar a apresentação da peça. Quando chego em casa, encontro a minha mãe na sala, assistindo um programa de culinária na televisão, já virou rotina vê-la assim, já que agora que estava grávida, havia deixado de apresentar a previsão do tempo no jornal da cidade. Ela abre um sorriso quando me vê, e então uma das mãos acaricia a barriga já grande daquele ser que ainda não escolhi um nome.

— Preciso conversar com você.

Essas são as únicas palavras que conseguem escorregar dos meus lábios, porque após me sentar ao seu lado, tudo dentro de mim se congela ainda mais. Meu estômago revira, tendo a mesma sensação que tive quando o Derek me contou toda a verdade e admitiu que me amava, me deixando ainda mais confuso em relação a tudo o que está acontecendo em minha vida. Estou com o Lorenzo agora, e o dia de ontem foi incrível para nós dois, tão incrível que ainda tenho marcas em meu corpo e o seu perfume por minha roupa. Agora eu não sei o que fazer porque qualquer situação me leva a magoar um dos dois, ou me magoar, e já estou mais do que magoado, insuficiente para caminhar diante à outra batalha.

— Você pode começar a falar, meu amor. — minha mãe toca o meu queixo.

Tenho vontade de chorar. Seria tão mais fácil se eu pudesse voltar no tempo e aproveitar a minha infância outra vez, a parte da inocência, dos momentos mais felizes que me faziam acreditar que o mundo era incrível e que, enquanto eu estivesse naquela bolha, dentro dos braços dos meus pais, nada no mundo poderia me atingir, nenhum monstro poderia me pegar ou me assombrar. A vida real é estranha, nos faz desejar entrar em um mundo próprio e não sair nunca mais. Nos faz ter medo das pessoas, porque as pessoas nos decepcionam, e nos faz ter medo de nos mostrar para o mundo, porque o mundo sempre nos julga.

Não quero mais me esconder. Quero que saibam quem Nicholas Danvers é.

— Eu preciso contar algo que talvez mude tudo, mas acho que é por uma boa causa, por minha boa causa. Há algum tempo eu deixei de ser eu, e eu não quero que isso aconteça por mais tempo que o necessário, quero voltar para mim, quero poder respirar tranquilo sabendo que as pessoas sabem quem eu sou, que eu sei quem eu sou. — minha mãe concorda com cada palavra que digo. — Você é a primeira pessoa para quem eu vou contar isso, mas eu quero que o papai saiba, e eu espero que você não me odiei por isso, porque eu te amo e eu preciso mais de você e do seu apoio do que você imagina. — ela continua a concordar. — Eu sou gay.

Minha mãe esboça um sorriso mais largo.

— Você está nervoso por causa disso? — seus dedos acariciam meu queixo antes de sua mão se afastar para ajeitar meus cabelos. — Eu sempre soube. — ela continua a sorrir enquanto mais bagunça do que arruma meus cabelos. — Me sinto feliz por ter sido a primeira pessoa a saber sobre isso, e eu nunca te julgaria por isso, Nicholas. Eu amo você porque você é o que é, nada vai mudar isso. — ouvir aquelas palavras aquece o meu coração. — Seu pai também te ama, e eu não sou ele, mas posso te dar a total certeza de que ele continuará te amando quando souber, te criamos para isso, para ser bom, para aceitar a vida, para questionar e fazer escolhas, te criamos para ser livre.