Capítulo 11: A Vida Segue

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Poucos dias depois, já mal lembrando do sonho (ou experiência, como preferir e acreditar) que tivera e da maldição que possivelmente carregava, caminhando para seu trabalho, Adriel esbarrou em uma mulher.

Desculpe-me – ela disse.

E ele se virou, reconhecendo a voz, e ficou a encarar a moça que rapidamente voltou ao seu caminho. Um dia ele havia a tido em seus braços, lábios colados e sorrisos compartilhados... lembrava-se de terem trocado juras de amor. Contudo, a mesma pessoa nem mesmo o notara; não o reconhecera...

O pobre homem sentiu o coração apertar e levou a mão ao rosto para afastar suas lágrimas, lembrando subitamente de toda sua jornada.

Cenas como aquela tornaram-se comuns. O passado agora era inalcançável. Lembranças eram apenas lembranças, e cada vez mais distantes.

A juventude se fora e a solidão o alcançava...

Amargurava-se por ter sido vencido e dormia todas as noites rezando por outra chance, ou outra festa, sem nunca se perdoar por sua escolha...

E destaquemos aqui as reticências da frase anterior, pois "nunca" talvez seja, junto a sempre, a palavra mais momentânea existente. A jornada na terra é recheada de "nuncas" que, bom, nunca se concretizam, tal como é repleta de "sempres" que, novamente, com o perdão do trocadilho, quase sempre se esvaem.

Um ano depois, Adriel conheceu Beatriz e por ela sentiu um apreço muito grande, sem o fogo da juventude, certamente, mas com um toque que ele até então não conhecia. Um sentimento maduro, ele diria depois. Por mais que ele não houvesse jurado eterno amor para ela, ameaçado se matar se ela o deixasse e todas as coisas que fizera em algum momento de sua juventude, eles continuaram juntos à medida que os anos passavam. Um filho veio, e outro, e Adriel, feliz, nem notara que soltara sua juventude, que aceitara a outra fase de sua vida e que... quem ele estava querendo enganar? Ele amava. Amava Beatriz; amava seus filhos e amava a si mesmo, a vida que tinha e o que havia construído.

E foi nesta fase que ele teve outro sonho, voltando àquele mundo – um pouco incompreensível quando se tenta formá-lo a partir apenas do que se conhece – que uma vez visitara.

Dessa vez, sem longas jornadas, sem longas festas, sem ter que fazer escolhas, ele teve o que um dia tanto quis: ele encontrara o Velho Mago.

Acordou no sofá da casa do Mago.

– Tu acordaste, meu filho. Que bom! – Ouviu uma voz serena.

– Onde estou? – Adriel levava a mão aos óculos que agora usava.

– Tu não te recordas? – O homem sorriu e Adriel o reconheceu. Trajava-se da mesma forma que o vira antes de cair e o mundo sumir, e também trazia uma chave em sua mão. – Sou o que chamam de Velho Mago. Tu me visitaste, mas eu não estava aqui.

– Acho que me recordo um pouco...

– Bom. Aceita um café? – O velho terminara de arrumar a redonda mesa de madeira, colocando um lenço sobre com duas xícaras e alguns pães em cima.

– Sim. Obrigado. – Adriel se levantou, caminhando até a mesa, sentando-se a ela. – Mas não compreendo. O que faço aqui?

– Acalma-te, meu filho. Conversaremos. Ouvi dizer que tu tens uma linda mulher e dois lindos filhos hoje. Fico feliz.

Adriel sorriu.

– O senhor tem filhos?

– Incontáveis, meu filho. Incontáveis... alguns rebeldes, outros nem tanto. A maioria como tu.

– Mas eu sou seu filho? – Adriel bebericava o café. A figura do Velho Mago o acalmava e o fazia se sentir bem.

– De algum modo, todos são – o velho também bebia seu café. – Mas me diga, meu filho, agora o ouço. Ainda desejas tua juventude de volta.

Adriel sorriu, servindo-se de um pão.

– Não, mas muito obrigado.

– Mas o que mudou?

– Você.

– Eu?

– Sim. O tempo. – Ele sorriu. – Você é o tempo, de um certo modo, não é mesmo? Digo... aceito a vida que levei. Hoje aceito minha juventude e fico feliz por tê-la vivido como vivi.

O Velho Mago sorriu.

– Não mudaria nada?

– Se me levasse para outro caminho, não, mas gostaria de ser melhor com as pessoas. Melhor do que fui.

– Mas tu eras apenas um jovem. Pouco sabia, meu filho. Não te culpe.

– Você realmente existe?

– Claro. Tu acreditas?

– Acho que sim.

– Bom. – E ele se levantou. – Mas já que tu não desejas mais tua juventude, tenho outro presente pra que tu aceite. – Olhou para Adriel.

– O quê? – Adriel sentiu seu coração acelerar.

– Isto. – Estendeu a mão com uma chave.

Adriel pegou a chave, dourada, com vários detalhes redondos em um canto e uma ponta que ele não saberia o que abriria.

– O que ela abre?

– Tu.

– Eu? Mas como assim? Eu não entendo.

– É um presente simbólico, entenda. Tu compreenderas que a única peça que faz a diferença no quebra-cabeças que é o teu mundo é a única possível: tu. Como alguém ou alguma entidade poderia pedir mais do que isto? Como poderia ser requisitado que tu mudaste o mundo, que controlasse o mundo? Tu ou qualquer outro. Como poderia ser pedido que tu ou outro seguisse para um templo no outro lado do mundo ou que lessem livros aos quais vós não tens acesso. A única coisa que pode ser pedido é que vós encontrais a si mesmos, que conheçais a si mesmos. E tu conseguiste e mudaste a vida de Beatriz e de teus filhos para o bem com o teu conhecimento sobre si mesmo. Parabéns, Adriel. Tu és um grande homem. Não são todos os meus filhos que conseguem, infelizmente. Ver-te conseguir muito me felicita.

Adriel sorriu.

– E agora? O que faço?

– Viva, pois. – O Velho Mago disse, encostando na testa de Adriel, que acordou, desta vez não com lágrimas, mas com sorrisos.

Virou-se para o lado e beijou sua esposa na testa. Levantou-se e foi até o quarto de seus filhos, repetindo o ato neles, e saiu para o quintal de sua casa. O dia amanhecia e tudo era possível. Uma nova página para um novo capítulo de uma mesma vida. A escolha cabia apenas a ele.

E voltou para dentro de casa, esquecendo-se do sonho que tivera, deitando-se e voltando a dormir, pois em breve teria que acordar para um novo dia, pois o tempo... bom... o tempo continuava a passar.

O Pecado da JuventudeOnde as histórias ganham vida. Descobre agora