Capítulo 5

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Cecília narrando

Acordei às 6 da manhã do domingo e só queria me amaldiçoar por não ter desligado o despertador na noite anterior.
Ao lembrar da noite anterior, um frio me percorre a espinha e bufo.
Aquele abusado do Gustavo.
Não acredito que ele insultou o Lucas daquela maneira na minha frente. Eu queria gritar.
Eu quero gritar.
Minha vida não deveria ser dessa forma, eu deveria estar em São Paulo agora, com Lucas me acordando com leves beijinhos na ponta do nariz, igual ele sempre fazia. E me olhando como se eu fosse a coisa mais preciosa do mundo. Sim, essa seria a minha vida. Planos pra faculdade, Lucas queria Medicina também, como eu, e iríamos pra USP juntos. Moraríamos juntos num pequeno apartamento próximo à faculdade e seria o início de nossa vida juntos.
Como eu teria amado.
Como eu seria feliz se isso tivesse acontecido mesmo.
Sorrio com aquela lembrança de algo que nunca vivi.
Tento dormir mais um pouco, me remexo na cama.
Quando, finalmente, estou voltando ao lindo mundo dos sonhos, ouço gritos:
"Você não me avisou onde estava! Sumiu sem me dar satisfações!"
Aquela, era a voz de tia Beth.
"Eu tenho 18 anos, e sei bem o que fazer com minha vida. Não preciso ficar te dando satisfação alguma."
"Onde você tava? Tá metido com droga, moleque?"
"Tô, tô metido com droga sim. Satisfeita? Tô metido com essa droga de família que você me enfiou, chegou até mais uma sem teto pra trazer mais despesa pra casa."
SLAP.
Mais um tapa, e bem na cara do Gustavo.
De novo.
Sorri por dentro, satisfeita, por ter sido a primeira a dar o tapa. Gustavo era um rapaz sem noção e precisava de limites, precisava de paz de espírito. Ele obviamente não tinha nem um, nem outro.
Mas onde será que ele se meteu?
Repreendo o pensamento imediatamente.
Até parece que vou me importar com o que esse troglodita faz ou deixa de fazer. E se ele acha que me abalará falando que sou uma sem teto, ele está muito enganado.
Engraçado que, na cozinha, quando lavamos louça na noite anterior, ele se mostrou tão doce. Tão compreensivo e maduro. É como se tentasse esconder a parte boa e só mostrar a parte ruim sempre, para se proteger.
Mas se proteger de quê?
Me espreguiço e tomo um bom banho na minha -suíte-.
Sim.
Os quartos desse casarão enorme têm suítes, o que me deixou boquiaberta quando cheguei aqui porque meus pais são tão práticos e econômicos que na nossa casa só tinha um banheiro e dois quartos. Mesmo podendo pagar por um lugar melhor, meus pais se recusavam porque o lugar que morávamos ainda estava bom.
Reviro os olhos.
Amo meus pais, mas é um pouco cansativo o modo como sempre discordamos um do outro.
Saio do banho, enrolada na toalha, e simplesmente travo.
Gustavo está me encarando, completamente vermelho. Me olha de cima pra baixo, e se não fosse o fato de ele estar completamente desconfortável com o que vê poderia jurar que tinha algo de predador em seus olhos.
Eca.
Não devia ser ilegal isso? Ele me olhar dessa forma?!
Eca. Somos primos. Eca. Eca. Eca. Eca.
"Mas que porra você está fazendo?"
"Desculpa, cara. Não sabia." Ele me olha como se tivesse despertado de um tipo de sonho num susto.
"Então..."
"Então..."
"Mas que caralho, fala logo, cara!" E me encaminho pra porta a fim de fechá-la na cara dele sem cerimônia alguma.
Cansei de bancar a educada e boazinha.
"Venho pedir desculpas por ter me referido a você mais cedo como uma... - ele tosse para disfarçar o desconforto - sem teto."
Olho pra ele com desconfiança.
"Como sabe que eu ouvi? E, se está me pedindo desculpas porque sua mãe forçou você, esqueça."
"Não, ela não me forçou. Cara... só que - ele franze a testa e passa a mão no cabelo, claramente nervoso - eu sempre estrago tudo com as pessoas. É um defeito meu. Mas, de verdade, não quero descontar nada em você. Estou feliz que esteja aqui, espero que você goste de morar conosco e eu também espero que você melhore...dessa porra toda que tá te acontecendo."
O desabafo me soou genuíno, acho que era uma tentativa de pedir desculpas por seu comportamento lamentável.
"Cof cof"
Ouço uma tosse atrás dele. Era tia Beth.
" Gustavo...", ela diz, severa.
"E espero que possamos ser amigos e família - e franze a testa, claramente desgostoso - caralho, mãe, tenho a situação sob controle aqui, merda."
Eu rio baixinho.
Ele me olha como se sentisse dor, não entendi.
"E sua mãe não te forçou né?"
"Um pouco. Mas o que disse foi honesto."
Não preciso conhecer Gustavo tanto tempo para saber que está falando a verdade. Ele é como um livro aberto. Bom, mais ou menos. Algo parece estar muito errado com ele, mas, não tem sempre errado conosco? Sabe, lembro-me de um dos programas inúteis de arte que minha mãe adora, que fala sobre uma arte japonesa ou chinesa (tava quase morrendo de tédio) de consertar vasos quebrados com ouro. Achei isso tão bonito e nunca mais esqueci. Pra mim, a vida seria mais ou menos como essa arte. Somos sempre quebrados e partidos de alguma forma, mas acho que nosso objetivo é sermos reconstituídos, com ouro, que eu gosto de pensar que é o amor.
Argh, por que sou tão piegas?
Meu Deus.
Pareço essas heroínas de romance açucarado. Tirando que, bem, meu parceiro romântico está, bom, morto.
Olho pra baixo com amargura.
"Que foi?"
Um estalo em minha mente desperta.
Estou com Gustavo.
Na porta do meu quarto.
Apenas de toalha.
Certo.
"Ahn... nada. Estou feliz por ter vindo morar aqui, ainda que temporariamente."
E finjo um sorriso. O melhor que consigo. Realmente, estou feliz por estar ali. Só não estou feliz pelas circunstâncias que me fazem estar ali. Se é que faz algum sentido.
"Sabe, Cecília. Também estou meio feliz de estar com a gente, sério mesmo. Mas eu finjo mais entusiasmo que você." Ele faz uma careta zombeteira.
Eu fico surpresa.
Ele descobriu que menti sobre o sorriso?
Como?
Esse moleque nem me conhece.
Reviro os olhos.
"Olha, se não acredita em mim. Paciência. Aceito suas desculpas. Agora preciso me trocar."
Ele olha pra baixo, mais especificamente pros meus peitos.
"Sim, certo... claro. Tudo bem. Te vejo mais tarde. Pensei em darmos um passeio pela cidade."
"Me sinto meio indisposta desde que acordei, espero que esteja melhor mais tarde. Se tiver, te aviso."
"Claro"
Ele me diz, com uma cara sarcástica.
Mas que inferno esse garoto.
Me deixe em paz! Difícil entender?

Gustavo narrando

"Mas que porra aconteceu agora há pouco?" Falo, enquanto entro no meu quarto, depois que a minha mãe maluca saiu. 
Eu fiquei excitado olhando minha... "prima"?
Sou um caso perdido.
Caralho.
Minha.
Prima.
Mano.
Eca.
Eca.
Isso devia ser ilegal ou sei lá. Ela é meio que da família agora.
Meu pau dá sinal de vida.
Tá mais duro que um tijolo.
Ótimo, simplesmente ótimo.
Uma pessoa da minha família me despertar esse tipo de sensação é apenas a melhor coisa do mundo.
Só que não.
Passar a noite com Luciana foi bom. Sempre é.
Ela é linda, isso sem dúvidas. Não, gostosa. Sempre acho que linda tem um conceito maior, como se a alma dela fosse bonita também e tudo formasse um conjunto. Isso é ser linda. Ela é gostosa porque a "casca" é linda. O exterior.
Seios duros e grandes. Cintura fina. Bunda enorme.
É, não tenho do que reclamar.
Até eu passar no vestibular transar com ela não será sacrifício algum, com toda certeza.
Dou um sorriso malicioso pro espelho do meu quarto.
Do nada, a imagem da Cecília de toalha e com gotas de água no ombro vem à mente.
"Mas que caralho..." murmuro pra mim mesmo.
Eu não posso achar Cecília gostosa.
Não posso.
Fecho os olhos pensando em Luciana.
Luciana gemendo pra mim.
Luciana sorrindo quando me viu.
Luciana me fazendo gozar enquanto fazia um oral.
E, do nada, Cecília vem na minha mente.
Abro o olho.
Eu tô com algo muito ruim na cabeça. Muito. Ruim.
Luciana é a mulher que vou comer.
Não Cecília. Ela ainda está de luto por causa do namorado morto... Luto.
Lembro de meu pai.
Um tremor percorre minha espinha.
Simplesmente ótimo.
Deito na cama e penso em Cecília de toalha. No começo, desvio o pensamento forçadamente para Luciana. Mas, depois, simplesmente aceito (e também fico aliviado que ninguém tenha acesso aos meus pensamentos) e penso em Cecília sem culpa.
Cecília de toalha.
Com os seios pequenos cobertos apenas por um pedaço de toalha.
As gotas de água no ombro.
Cecília, com os olhos azuis tristes.
Cecília triste, porque perdeu o namorado.
Cecília chora.
Fico triste com aquele pensamento, e também furioso.
Porra.
Ela tinha que ter um namorado, claro.
Um namorado morto, pra melhorar minha vida que já é ótima.
Maravilha, Gustavo.
Depois, adormeço o resto da tarde e sonho com Cecília.
Abrindo a toalha pra mim, e me deixando entrar.
Cecília nos meus braços.
Cecília, que sorri, com os olhos azuis alegres, dessa vez.
Cecília

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