— Olhe para este menino de nariz sujo. Tão fininho que eu poderia muito bem confundi-lo com um graveto! — dissera Diana.
Aquele fora apenas um dos comentários maldosos que Victor ouvira, assim que chegara na mansão da família Valentine.
Conviver com a sua família não parecia um sonho para Victor. A recepção, que na mente de Victor seria calorosa e repleta de abraços, seguida de um banquete envolvendo todo o tipo de guloseimas não ocorrera. Kairus não fizera questão de acomodar o pequenino em sua nova residência, ou mesmo deu-se ao luxo de explicar o motivo de querer o filho ao seu lado, o filho da qual repeliu por tanto tempo. Victor sabia que naquela mansão viviam seu avô Heron, sua tia Diana, seus primos, Brandon e Sophie, mas nenhum deles aparentavam gostar de Victor, exceto o seu tio Lewis, mas este não era um Valentine de sangue puro, era bastante zombeteiro, e passava metade dos dias, embriagado. Heron o chamava de "escória", embora Victor não soubesse o significado daquela palavra. Lewis não era muito mais velho que Victor, e aparentava ser muito mais um irmão mais velho para os garotos que um tio.
Quando enfim conheceu os primos, estes quase não desperdiçavam palavras com Victor, que apesar de ser criança e pouco entender da vida, sentia que estava sendo rejeitado. O avô nunca era visto durante o dia, não por estar doente ou qualquer coisa do tipo, e os empregados haviam alertado Victor para nunca aborrecer o Sr. Heron, pois ele tinha uma certa antipatia por crianças. Logo mais, Victor descobriu que o marido da tia, Gael, havia morrido de tifo, mas aparentemente a esposa e os filhos não importavam-se com a perda. O marido de sua tia era um primo distante dos Valentines.
A mansão era colossal, com tantos cômodos e quartos, e por vezes Victor via-se brincando sozinho, no jardim feio e cinzento, ou fazendo caretas para as armaduras medievais que serviam de decoração nos corredores da mansão. Mas a maior parte do tempo, jazia entendiado e frustrado por seu pai nunca trocar uma palavra consigo.
Sentiu-se menos solitário quando descobriu um retrato de sua mãe. Estava escondido no sótão. Pensou por qual razão aquele quadro não estava no hall da mansão, junto aos outros retratos da sua família. Sua mãe, Alana, era uma mulher deveras linda, e Victor pegou-se até mesmo triste, pois havia esquecido-se de como eram as feições de sua mãe. Alana tinha belos cabelos loiros bastante pálidos, lábios rubros, maçãs do rosto sempre coradas, e gentis olhos castanhos. O jovenzinho em sua infante mente, pensou que talvez se a sua mãe estivesse viva, Kairus fosse uma pessoa melhor. Agisse como um pai melhor. Alana falecera quando ele tinha nove anos, disto ele lembrava, em um incêndio, — a recordação lhe gelou a espinha, — na igreja de Santa Cristina.
O garoto pôs as mãos na cabeça, encolhendo-se no chão. Fogo. Fogo. O temível fogo. Temia ao fogo mais que tudo.
♦
Na primeira semana em que passou na mansão, Victor fora consumido por uma de suas crises em aversão ao fogo. Uma das criadas havia deixado o candelabro com uma vela acessa. Aquilo fora o suficiente para o garoto rasgar a noite com seus gritos. Suava frio e chorava enquanto fitava a débil chama na vela. Se o padre Owen estivesse naquele lugar, teria o protegido, confortado em seus braços, e dito que aquele fogo não iria machucá-lo. Mas tal acontecimento não ocorreu e restava somente a Victor chorar estridente tendo horríveis visões com o fogo o consumindo.
Até que um dia, durante suas crises, Kairus irrompeu pela porta do quarto do menino, e irritado com aquela gritaria, instigou para que Victor se calasse. Muito sisudo, manteve-se em pé, parado na porta do quarto do garoto. Era como um impiedoso sentinela e desferiu olhares semelhantes a uma afiada adaga em direção ao garotinho.
— Cala-te, moleque. Faz mais de uma semana que te trouxe para a mansão, e todas as noites inicias estas algazarras. Queres deixar-me louco ou o quê?
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VENNIA
Historical Fiction❣ Livro vencedor do Wattys2020 na categoria Ficção Histórica. "Nunca confie em um Valentine", esta era a sentença que Vennia Lionheart ouvira durante toda a sua infância. Sua vida aparentava estar ligada por laços inquebráveis com a famigerada fam...