Capítulo 49

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No caminho de volta para Hampshire, a roda da carruagem de Victor quebrou em Winchester. Praguejara durante um bom tempo, sentindo que o azar resolvera fazer companhia a ele. Suspirou, irritado, descendo da carruagem. Haviam parado sobre uma ponte que cortava um riacho de águas serenas.

— Senhor, esta roda custará a ficar pronta. Não acredito que uma simples pedrinha tenha causado tamanho estrago — informara o cocheiro. — Mas deve ter alguém que mora aqui perto que saiba fazer tais consertos. 

Não estavam tão longe do vilarejo. Vendo de longe, aparentava ser um lugar extremamente fleumático. Victor assentiu, ainda irritado, e permitiu que o cocheiro fosse procurar alguém para consertar a bendita roda da carruagem. Encontrou-se sozinho, embora não fosse uma novidade ao moço. Andava de um lado para o outro, o sol a pino, fazendo-o suar como um porco. Afrouxou a gravata, as gotículas quentes de suor descendo pela nuca. Logo, passou-se as horas, e Victor permanecia sobre a ponte, à espera da aguardada ajuda. O sol, de fininho, foi escondendo-se atrás das nuvens, indicando a sua partida. Cruzou os braços, a raiva dando lugar para a insegurança.

— Desculpe, meu jovem, mas poderia dizer-me qual é o seu caminho? — uma voz dócil, certamente de um idoso, chamou a atenção de Victor.

O rapaz virou-se, por fim encarando um senhorzinho mui franzino, que possuía uma barba longa. Vestia um manto puído e em seus braços, segurava uma pequena ovelha. Victor notou com muito pesar que o velhote era cego. 

— Perdoe-me, senhor, mas não conheço muito estas redondezas — Victor explicou-se. — A roda da minha carruagem quebrou e estou esperando o meu cocheiro. Que a propósito, foi procurar ajuda há horas e ainda não retornou.

— Ora, meu rapaz, não pedi para que me guiasse em meu caminho. Posso ser cego, mas sei bem onde estou e para onde vou — afagou a cabeça da ovelhinha em seus braços. — Perguntei qual é o seu caminho.

Victor sentiu um nó na garganta. Era como se aquele senhorzinho lhe conhecesse tempo o suficiente para saber que o rapaz jazia perdido em sua jornada. Angustiado, Victor soltou um suspiro e respondeu ao velho.

— Não sei qual é o meu caminho. Creio que já posso considerar-me um derrotado.

— Mesmo sem poder vê-lo, sinto o rancor enraizado em vosso coração através de sua voz. Permita-me adivinhar — fizera uma pausa dramática. — Tens ódio pela tua parentela, e mesmo  tendo se passado tanto tempo, não consegue encará-los, e tampouco, perdoá-los?

O rapaz ficou boquiaberto. Resolvera desabafar com o estranho. Contou a respeito de sua infância perdida, falou de seus traumas, medos, de seus erros, de seu ódio que persistia em não ir embora de seu coração, falou a respeito da dificuldade em perdoar seu avô, e principalmente, em perdoar seu pai, que o abandonara, um caminho fácil que escolhera para não ter mais de encarar o filho. O senhorzinho ouviu tudo, em silêncio. Em momento algum julgou a Victor, ou ousou interrompê-lo.

Contou sobre a jovem que chantageou para que fosse sua falsa esposa. Confessou que no começo, fizera aquilo apenas para obter a herança e o seu título de patrono, mas depois de um tempo, não queria tê-la deixado ir. Não conseguia imaginar sua vida sem ter que admirar o doce sorriso de Vennia. Almejava que ela sentisse algo por ele, mas o coração dela não pertencia a ele.

— Então, eu a perdi. Ela era muito importante para mim, e creio que ela jamais voltará. Pisei em seus sentimentos, esmigalhei seu coração. Fui um canalha. De todas as pessoas, ela era a única que não desejei atingir com a minha desforra, mas ela foi quem mais se machucou.

— Nunca perca a fé, rapaz — o senhorzinho por fim, falou.

— Gostaria de encontrar um pouco de paz. Parece que estou fadado a reviver meus erros, e ter como companhia, a eterna solidão que rasga o meu peito.

— Vá à Casa de Deus. Encontrará o que precisa para tal coração aflito.

— Acha que Deus pode nos dar uma segunda chance? Olhará Ele para mim? Um homem cheio de falhas?

— Deus não faz acepção de pessoas. Ele o ama, mesmo que tu não acredites nisso.

Victor, apiedado pelo semblante gentil daquele senhor, tocou-lhe o ombro cansado, e tirou do bolso de seu casaco, uma moeda. 

— Tome, caro senhor. Obrigado por escutar meus lamentos e por fazer-me companhia.

Sorriu para Victor. A face engelhada escondia traços de bondade. 

— Estou indo, meu filho. A estrada é longa, e sinto que levarei um pedaço de ti comigo. — arrumou a ovelha, que dormia, nos braços.

— O senhor nem sequer disse-me o teu nome.

— Ah, meu jovem, eu possuo muitos nomes. Venha a mim, quando estiver cansado, e vos aliviarei de vossa carga. Quando estiver certo de que me queres em tua vida, eu retornarei e lhe chamarei de filho.

Victor escutou as palavras, e nada entendeu do que o senhorzinho lhe dissera. O homem partiu, ainda junto a sua ovelha, até sumir no fim da ponte.

Atendendo ao conselho do ancião, e sem saber a razão de estar fazendo aquilo, Victor caminhou até a velha igreja do vilarejo. 



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A parte do homem e a sua ovelha, foi inspirada através de um sonho em que tive, onde eu via um homem de manto azul segurando uma ovelha. Esse homem tinha a voz mansa e gentil, e aconselhava-me com sabedoria. Acordei em lágrimas e fiquei dias e dias relembrando desse sonho. Senti uma urgência em colocar essa parte no livro. 


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