Degustação Pt 3

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Após fechar as portas e o caixa, caminho até o singelo escritório onde tem um pequeno cofre onde guardo um pouco mais de duzentos e cinquenta reais que o dia rendeu e me apronto para sair.

Como sempre, no caminho de casa, passo no mercadinho onde compro mais materiais para doces, o pão e algum mantimento que precisa ser reposto.

— Boa noite, Line. – Sou surpreendida por uma antiga amiga da época da escola e nos abraçamos. — Tenho que te contar a novidade, marquei meu casamento para daqui a seis meses e eu estou tão feliz que já estou ansiosa para encomendar as flores contigo. – Meu coração se enche de alegria, bem me lembro que Dani sonhava desde nova com este momento.

— Parabéns, Dani. Que vocês sejam muito felizes. E sobre as flores, passa sim lá na floricultura, com certeza vamos fazer um orçamento bem camarada. – Ela se aproxima como se estivesse prestes a me contar um segredo.

— E o seu casamento vai sair quando? – Ai Deus! Essa é a pergunta que mais ouço desde que uso uma aliança de compromisso.

— Ainda não marcamos, mas breve saberemos a data. – Vejo Dani praticamente em uma luta interna e eu tenho vontade de fugir do interrogatório que obviamente está chegando.

— Ah, que bom saber disso, confesso que estava preocupada, fiquei sabendo que seu noivo não aparece aqui na cidade há meses. – Uau! Todos realmente por aqui estão a par de todos os acontecimentos.

— Dani, eu preciso pagar essas compras e ir para casa, estou muito cansada. – Em resposta a minha direta educada, recebo um abraço com um tom de consolo e enfim nos despedimos.

No percurso para casa, praticamente vou correndo pelas ruas de paralelepípedo para evitar mais interrogatório e após duas esquinas, avisto o meu lar doce lar.

Como todas as noites, minha mãe e seu esposo que carinhosamente chamo de pai, acompanham a novela romanticamente abraçados como se estivessem ainda namorando.

— Boa noite família. – Como se não quisessem perder as cenas, me cumprimentam sem ao menos me olhar. — Onde está Bruno? – Pergunto por meu irmão e com gestos eles apontam para o corredor, imagino que esteja no seu quarto.

Após deixar as compras na mesa da cozinha, decido tomar uma ducha, ao passar pela porta do quarto do meu irmão, ouço algo que me deixa completamente alerta e no impulso abro a porta.

— Ai meu Deus! – Encontro meu menininho de dezesseis anos praticamente tirando a blusa da namorada que eu nem sabia que ele tinha.

— Fala baixo, Aline. – Ele me repreende, a menina que eu bem reconheço se ajeita enquanto convive com sua vergonha. — Nossos pais não sabem que Rute está aqui.

— E não iam demorar a saber pelo barulho. – Apesar de morrer de vergonha, sinto que preciso fazer meu papel de irmã mais velha. — Gente, vocês podem namorar sem tirar a roupa e sem ser no quarto, sabiam? Eu não quero ser tia, ainda. – A menina faz sinal da cruz, enquanto Bruno me olha como se quisesse me matar. Nossa! Eu realmente irritei meu irmão.

— Não é só porque você consegue namorar a distância que eu consigo, nós somos normais e temos desejos. – Ai merda, essa doeu.

— D-desculpa. – Viro-me para sair do ambiente, mas logo sou abraçada e jogada na cama.

— Foi mal, maninha. – O abraço do meu irmão, apesar do rápido desentendimento, cai como um balsamo e eu me permito chorar. — O que foi, Aline? – Sem me importar com a presença de Rute, desabafo sobre o que estou vivendo nos últimos meses onde me sinto em um reality show da nossa pequena cidade e ele me abraça ainda mais forte.

— Alberto gosta de você, pelo menos isso ficou bem nítido durante todo namoro, e também quando ele a pediu em casamento antes de viajar a trabalho e sobre a distância, nossos pais namoraram mais de um ano, lembra? – Rute se aproxima.

— Pois é, não liga para nada disso, as pessoas aqui são meio que vidradas nas vidas alheias mesmo. – E eu nem acredito que no auge dos meus vinte anos, um casal de menores de idade, me consolam.

— Obrigada de verdade, vocês salvaram a minha noite. – Conversamos mais um pouco, depois decido dar um pouco mais de liberdade aos dois, levanto-me para sair do quarto e despeço-me de ambos com um abraço. — Se comportem e caso não consigam, se protejam.

— Pode deixar, Aline. Sempre nos protegemos. – Rute confessa cobrindo o rosto me fazendo até rir e quando estou saindo, ela me faz um convite sobre um show beneficente da igreja que vai ter na praça.

— Nos vemos amanhã então. – Amo a ideia pois eu realmente preciso de um passeio.

Como todas as noites, após um jantar digno de me deixar parecendo uma grávida, a Aline que ama cozinhar e sonha em um dia ser chefe de um enorme restaurante entra em ação.

Primeiramente vou no armário onde guardo os ingredientes e ao abrir a porta, fico olhando um a um.

Entre barras de chocolate ao leite e cacau cem por cento, penso no incentivo do dia para criar um novo doce e por incrível que pareça, é a saudade que sinto de Alberto que vai reger os meus dons culinários.

— E lá vou eu criar a "cura da saudade." – Mesmo com os olhos marejados causados pelas circunstâncias, seleciono de início uma caixinha de creme de leite, leite condensado, manteiga da melhor qualidade e duas barras de chocolate, uma ao leite e outra amargo. E na minha cabeça eu já sei como será o bombom e sendo assim, começo a raspar separadamente cada pedaço.

Com o chocolate amargo, faço uma calda bem densa, de forma alguma pode ficar no ponto de soltar do fundo da panela.

Com a barra de chocolate ao leite, produzo um típico brigadeiro gourmet e olhando para as duas porções já imagino a explosão de sabores que terei ao me deliciar com cada pedacinho.

Começo a produção. Primeiramente modelo o brigadeiro gourmet de forma tradicional e com a receita, eu consigo trinta unidades. Logo depois, aqueço novamente a calda e vou mergulhando um a um e para completar polvilho cacau em pó misturado a raspas de chocolate amargo.

— Isso parece bom, hein? – Meu irmão Bruno invade a cozinha acompanhado de Rute e eu os sirvo com duas unidades para cada.

— Chegaram na hora certa, vocês vão provar "a cura da saudade." – Eles se divertem, deixam os bombons esfriarem um pouco e enquanto jogamos conversa fora eles finalmente provam. Eu amo ver os olhinhos da Rute praticamente revirando e meu irmão como sempre muito artístico quase dançando.




O DIRETOR - DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now