Degustação Pt6

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"Estamos aqui na indústria GeraEletro para mostrar a importância do estudo e do preparo do jovem para o futuro. Hoje, cinco jovens técnicos em engenharia elétrica foram selecionados para estudarem no exterior, esta é uma empresa que investe nos seus funcionários que sabem o que querem da vida e tem um futuro promissor. Dentre eles está o Técnico Alberto Lima que ano que vem dará um enorme passo, mudando completamente o seu destino.

— Como você se sente sendo um dos selecionados?

— Com certeza eu vou realizar o meu grande sonho."

Enquanto ouço a resposta de Alberto se repetindo em minha cabeça, a cidade parece ficar em silêncio, no mesmo momento sinto minha mão sendo apertada por Rute que fica com os olhos marejados, começo a ouvir cochichos de todos os lados, viro-me em direção ao meu noivo que paralisado me olha segurando uma cesta de lanches e sendo parabenizado por alguns amigos.

— Line. – Meu irmão toca em meu braço, mesmo sem sentir muito meus pés, eles se movem e eu vou abstraindo tudo ao redor, pois não tenho como disfarçar que assim como toda minha cidade, acabo de saber a novidade, a diferença é que eu uso uma aliança que no momento pesa em minha mão como se fosse chumbo.

— Quando você ia me contar? – Passo por Alberto segurando qualquer emoção extravagante e só penso em vencer todo obstáculo que a praça se transformou, mais alguns quarteirões e chegar em casa, porém ele me segue.

— Hoje. – Vejo quando ele entrega a cesta ao amigo e vem ao meu lado. — Aline, para por favor, temos que conversar, não era assim que você ia descobrir tudo, eu não sabia que a entrevista ia ao ar hoje. – Continuo caminhando sem respondê-lo por não querer ficar ainda mais em evidência perante a vizinhança até chegar na varanda da minha casa, sendo seguida por um Alberto que nunca vi na vida, completamente desesperado.

— Agora você pode falar.

— Podemos conversar no seu quarto? – Respondo que prefiro um ambiente neutro, longe de qualquer tentação e ele senta ao meu lado. — Eu preciso te explicar tanta coisa, Line. – Ele toca em minha mão que fica presa a dele de forma automática.

— Comece, por favor.

— Quando consegui o emprego e ficamos noivos, eu tinha acabado de fazer vinte e um anos e eu pensava como a maioria dos jovens daqui. – Não gosto muito do que ouço e passo um olhar de desaprovação que ele entende. — Não leve para o lado pessoal meu amor, eu aprecio todos os nossos planos e sonhos, mas fui pego por outra realidade. Assim que cheguei na cidade grande, percebi que o valor que eu ganhava trabalhando na padaria aqui, não pagaria nem o nosso transporte por lá durante um mês, é tudo tão caro que você nem imagina. – Ele respira fundo e eu vejo sinceridade em suas palavras. — Aquele estilo de apartamento que pensamos em financiar lá na cidade, que no site as fotos eram lindas e com dez mil daríamos entrada no banco, eles ficam em uma área de risco, para você ter ideia, até na janela do terceiro andar têm grades e o bairro tem toque de recolher. – Eu o vejo com os olhos marejados e várias perguntas rondam meus pensamentos.

— Por que você nunca me contou suas aflições e a realidade da cidade? – Eu já sabia que não seria tão fácil, mas não a tal ponto.

— Line, a cada vez que falamos, você despejava em mim seus sonhos que eu quero vê-la realizando, eu prometi que você estudaria e seria a grande chefe em um famoso restaurante e para isso eu precisava também de dinheiro e foi então que abriu a seleção na indústria. – Ele olha para baixo e aperta a minha mão. — Nos últimos quatro meses, quando não estava trabalhando, estava estudando, principalmente inglês, ou desmaiado de tanto cansaço no sofá ou cama do alojamento, eu precisava melhorar de vida, por mim, por nós.

— E foi aí que você começou a sumir, teve dias que você nem me ligou. – Paro por um momento para organizar as ideias. — Nossa, eu imaginei tantas coisas, várias pessoas na verdade especularam todas as possibilidades, até traição. – Ele abaixa a cabeça.

— Traí nossos planos ao não conseguir visualizá-los na mesma ordem de antes, fui imaturo por te esconder tudo e a verdade é que eu mudei. Enquanto aqui as pessoas se casam cedo demais, no mundo afora, na nossa idade os jovens viajam, estudam e esse mundo me encantou. – Ele volta a me olhar. — Nunca tive outra mulher, posso ter me transformado em um cara ambicioso, que não soube se comunicar, mas em todas minhas ambições você está inclusa.

— Você me deixou iludida enquanto a sua vida andou, isso não se faz, Alberto. – Tiro a minha mão da dele e lembrando de todos os bombons que fiz durante as noites para vender no outro dia, fico arrasada, pois a verdade é que mesmo amando cozinhar, tendo o apoio da minha família que apesar de ser simples não me deixa faltar nada, eu também poderia estar estudando ao invés de me esforçando tanto para ir para cidade.

— Me perdoa, por favor. – Ele me abraça. — E se nós vencemos oito meses, podemos vencer esse tempo longe um do outro, eu te amo. – Sinto carinho, desejo, bem, na verdade fico até feliz de vê-lo realizando seus sonhos, só que não consigo mais dizer as três palavras.

— E-eu pensei que estava vivendo o amor que tudo suporta, você é meu primeiro namorado, meu primeiro homem, com você descobri todos os prazeres, isso tem um significado enorme e eu te esperei, mas sua ausência comprovou aquela historinha que ouvimos desde crianças, a da plantinha que não recebe cuidado e fica murcha. – Ele volta a entrelaçar as mãos com as minhas.

— E-eu tenho amor o suficiente para te reconquistar, Aline... – Nós nos olhamos por alguns segundos e eu sei que preciso tomar uma decisão.



O DIRETOR - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora