TRÊS

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Pode parecer loucura, e eu tenho certeza que é, mas passei boa parte da tarde esperando que meu celular indicasse o sinal de mensagem. Isso nunca tinha acontecido, eu não me distraía assim tão facilmente, mas me vi apertando a tecla de desbloqueio cerca de trinta vezes.

            Hoje é domingo e ao contrário da maioria das pessoas, eu ia trabalhar. Meu turno termina relativamente cedo nesses dias, se tudo correr bem, se inicia às 16h e vai até a meia-noite, uma vez que jantar fora aos domingos é comum, mas é preciso chegar cedo em casa para estar preparado para o início da nova semana. 

            Fiz uma coisa que eu nunca tinha feito desde que comecei a trabalhar: levei meu celular para a cozinha. Aumentei a intensidade da vibração e deixei o volume no máximo, para o caso de receber alguma mensagem. Não, eu não pretendia largar as panelas para responder ao chamado, mas precisava da tranquilidade de saber o momento em que seria notificada. Concentrei-me em executar tudo que me cabia, tinha voltado a ser somente a assistente, mas naquela noite parecia que eu tinha sido rebaixada. O novo chef, Jorge Oliveira, estava assumindo seu posto e, ao contrário do que o Luiz achava, ele não tinha me requisitado para ajudá-lo a se ambientar.

            Ele já chegou senhor de si, como se aquele ambiente fosse dele desde o nascimento. Provavelmente havia estado no restaurante antes para conhecer o cardápio, pois não perguntou nada sobre a maneira ou o ponto de preparo ideal de prato algum.

— Boa noite, pessoal. Como vocês devem saber, sou o chef agora. Para quem não me conhece, acho pouco provável, jogue meu nome no google antes de vir trabalhar no próximo expediente. Faltam 10 minutos para o restaurante abrir e o que eu vejo aqui me deixa extremamente preocupado. As bocas dos fogões estão desligadas? — ele pergunta, mas não quer a resposta. Mesmo assim eu tento responder.

— Senhor, nós costumamos ligar tudo cinco minutos antes. É tempo suficiente.

— Não na minha cozinha! Liguem agora.

— Sim, chef! — respondemos em coro e passamos a executar cada ordem gritada.

Rapidamente minha ansiedade em receber uma mensagem de texto foi substituída pela sensação de não falhar. O técnico do jogo tinha mudado e eu sentia que ele estava louco para me substituir.

***

Meu travesseiro tremeu. Juro por Deus que eu acho que estou no meio de um terremoto quando arregalo os olhos em meio ao quarto escuro. Demoro alguns segundos até perceber que o celular está debaixo do travesseiro e, mais outros para lembrar que aumentei a intensidade da vibração.

Mensagem um: Se não quer almoçar, podemos fazer um lanche da tarde. Que tal?

Mensagem dois: Meu nome realmente é Maurício.

Mensagem três: Estive no restaurante hoje, mas o chef não foi do meu agrado. O que aconteceu com você?

Três mensagens seguidas causaram o tal terremoto sob minha cabeça cansada e confusa.

Você sabe que horas são?

Digito sentindo o sono abandonar o meu corpo.

Três da manhã, uma hora mais cedo do que quando nos falamos ontem.


Sorri com a resposta. Parece que temos um homem atento, afinal. Apressei-me em responder:

Mas aos domingos eu durmo cedo.

Anotado na minha agenda de coisas sobre a Eva. Fui te ver e acabar com o jogo do qual me acusa, não te achei.

Belo Mentiroso - DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now