Capítulo 6

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       Cruzei meus braços em frente ao corpo e esperei que Kalamari terminasse sua cena.

       — Já terminou? — perguntei sem paciência.

       Ele riu por mais alguns segundos até finalmente se recompôr.

       — Essa foi sem sombra de dúvidas a maior maluquice que eu já escutei nesse lugar — respondeu balançando a cabeça em negação.

       Não acreditara no que eu havia dito, era óbvio, não sei porque pensei que ele entenderia.

       — Por que você acha que eu tenho essas cicatrizes nas costas? — digo apontando com a mão para minha coluna.

       — O que você diz não faz o menor sentido, Aalis.

       Acabou que nós dois nos sentamos ao redor da pequena mesa para discutir.

       — Anjos são mensageiros de Deus — continuou — E você não se parece em nada com um, longe disso, eu diria.

       — Vou fingir que isso foi um elogio — respondo de forma entediada.

       Era claro que ele se negaria a acreditar no que eu havia dito, os mortais tendem a pensar que são o centro do Universo e que tudo gira em favor deles. Porém, eu precisei contar a ele. Depois do que aqueles malditos seres celestiais me tiraram, eu pelo menos tive a oportunidade de me vingar ao revelar esse segredo para um humano, algo que era estritamente proibido para qualquer classe angelical efetuar, mostrar minha verdadeira identidade. Eles não teriam como meu punir mais ainda, tirar minhas asas era o pior que poderiam ter feito.

       — Como vou saber que você não está apenas arrumando uma desculpa para fugir daqui? — indagou.

       — Eu sei que é difícil de levar a sério, mas pense bem. Você acredita na existência de anjos, está bem explícito em sua religião os feitos deles no passado e tudo o mais. Só que nem tudo lá no céu é mil maravilhas. Depois que eu me rebelei contra a Corte, eles me expulsaram para cá e me obrigaram a viver como uma humana e, para não bastar, ainda causaram uma tragédia na família em que me infiltrei.

       Só de falar sobre aquilo William apareceu em minha mente. Ainda era uma ferida aberta em meu coração que tardava a cicatrizar. Eu jamais superaria sua morte.

       — Eu li sua ficha quando me designaram para te vigiar — admitiu, me fazendo encará-lo incrédula, e continuou — Vi que seu irmão morreu a poucos meses, eu sinto muito.

       Ele pareceu ser sincero quando disse aquilo, o que me fez esquecer um pouco a ideia de ele ser um cara rabugento e sem graça, mas só um pouco. Talvez Kalamari tivesse um coração, embora tentasse escondê-lo a todo custo.

       — Meu padrasto o matou.

       A polícia nunca havia encontrado provas que comprovem minha afirmação, mas para mim já era o suficiente que eu soubesse a verdade por trás da morte de Will.

       — Você não acha que talvez esse acontecimento tenha mexido demais com seu emocional? É uma situação traumática, poucos se recuperam cem porcento...

       Ah não, ele estava começando a entrar em um caminho que não me agradava em nada.

       — Então a sua suposição é de que a morte de meu irmão me deixou louca?! — exclamei não acreditando no que estava ouvindo.

       — Aalis — falou em tom calmo — Já vi muitas pessoas mais fortes do que você passarem por isso. As vezes é simplesmente inevitável.

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