Capítulo 7

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A Ilha de Freidach.

A capital do Arquipélago dos Mortos onde residem os Doze Clãs da Morte.

E também onde estamos hospedados confortavelmente pela líder Ohnin, na sede Sial.

Ontem eu tive apenas um pesadelo curto, com o fantasma da minha irmã cortando minha garganta. Um fantasma vivo, com uma máscara monstruosa e lembranças apagadas. Depois não pude dormir, com todas as perguntas da noite anterior me fazendo pensar. Por sorte não acordei Lince que dormia no mesmo quarto.

Levanto cedo. Antes do Sol nascer.

Peço para que os guardas me levem até lá fora para tomar um ar. Por aqui as árvores estão em todo lugar, o chão é recoberto de flores amarelas, a grama é verde e cheia de orvalho. Fico aqui por alguns momentos apenas sentindo a calmaria, ouvindo o vento uivar.

- Gosta das manhãs nubladas? - Ohnin aparece ao meu lado, com os olhos passeando pelo jardim.

- Gosto. Você não? - devolvo a pergunta.

- Prefiro os dias de Sol. Venha, vou lhe mostrar as dependências de Sial. - ela começa a andar, sendo seguida de perto por um guarda enorme.

Enquanto caminhamos pelo imenso pavilhão dos heróis, onde se expõem as armaduras e armas dos maiores heróis dos doze clãs, Ohnin estaca como se uma parede invisível se erguesse a sua frente. Seus olhos se fecham e ela murmura algumas palavras num dialeto estranho. De repente abre os olhos dourados novamente, eles parecem ver muito além de onde estamos, ela vira a cabeça e movimenta o olhar assustado como se assistisse algo.

Ela vê algo que faz todo seu corpo se sobressaltar e recuar um passo. Tampa a boca com as mãos, chocada.

Seus olhos se fecham novamente e ela murmura as mesmas palavras. Quando os abre, se vira imediatamente para mim.

- Eu disse à você que poderia ou não salvar o mundo. Que a escolha era sua. - a angústia late conjuntamente à sua voz. - Mas as partes sombrias do seu coração já estão crescendo. - ela engole em seco, pela primeira vez parece-me uma criança. - Seu futuro acaba de mudar para algo muito mais perverso.

Franzo a testa, assustada com a reação dela. - Ohnin... o que você viu?

- Não posso dizer, sua intromissão desfará o nó da Linha do Tempo e ela desfará a tapeçaria divina. - cospe como se fosse um pecado.

A Linha do Tempo era outra crença dos Clãs da Morte, Ohnin me contou ontem à noite. Na versão mais básica, a sua divindade teceu a vida numa belíssima tapeçaria. Para terminá-la, a deusa teceu o último fio, brilhante e inquebrável, e fez um nó. Este chamado a Linha do Tempo, que data presente e passado. O problema é que a Linha do Tempo vive se soltando e desfazendo a tapeçaria. Quando a tapeçaria se desfaz, ocorre a morte. A deusa faz o futuro a tecendo novamente de formas diferentes, assim nenhum bordado é igual a outro, como nenhuma vida se repete.

- Como posso mudar o futuro sem que você me diga? - me sinto cada vez mais confusa.

- O futuro é incerto, mas o destino é imutável. - já ouvi isso antes, diversas vezes. Balanço a cabeça sem acreditar. - Não posso prever seu destino, então há uma chance. Cada ação por mais insignificante que seja pode ocasionar uma mudança catastrófica no futuro. Tudo depende de escolhas.

Ohnin sorri de leve.

- Você sabe tanto sobre mim e eu não sei nada sobre você. - ela ergue a sobrancelha, cruzo os braços esperando.

- O que quer saber? - ela fica de costas para mim, admirando uma armadura acabada, arranhada e despedaçada mas ainda reluzente.

- Me conte algo. Qualquer coisa. - dou de ombros. Ela pensa por alguns segundos.

- Quando eu tinha nove anos eu tive uma paixão platônica por um garoto. - ela trava o maxilar, relutando em me contar. - Mas como a futura He'La (líder na língua nativa) dos Doze Clãs e Mediadora do Equilíbrio eu não poderia ter esses sentimentos. Ele também gostava de mim.

Ela dá um sorriso vazio.

- O que houve com ele? - pergunto curiosa mas com certo temor.

- Na noite do meu aniversário meu tutor me levou até o templo... - ela engole em seco. - E ele estava lá. Ajoelhado, com as mãos amarradas e o rosto em puro pavor. "Você é fraca?" Meu tutor me perguntou e eu neguei. "Se eu cortar a garganta dele agora, como você se sentirá?" Recuei um passo sabendo o que ele faria. "Ele te faz fraca. Sabe o que acontece com os fracos?"

Ela fecha os olhos e murmura algumas palavras no seu dialeto. Depois disso volta a contar:

- Os fracos não sobrevivem. - ela sussurra. - Nem nas Ilhas, nem em lugar nenhum. Então eu precisei cravar uma espada no coração dele, ou meu tutor faria muito pior.

Olho para ela séria. Nada na sua expressão remete remorso ou tristeza.

- E você não se sente mal por isso? - me pergunto o que eu faria se fosse comigo.

- Me senti por um bom tempo. Mas é tarde para os mortos, chorar por eles é perda de tempo, eles estão mais seguros do que nós. - ela diz. - Eles descansarão até o dia da Colheita, quando todos nos reencontraremos nos divinos campos dos deuses.

- São crenças interessantes. - murmuro e ela anui. - Eu jamais poderia fazer o que você fez.

Ela se vira pra mim com os olhos sombrios.

- Sua jornada vai mudar muito o seu coração. Você é forte, Rayrah, mas vai precisar ser inquebrável. - quero me fechar para tudo que ela diz, ignorar e fingir que nunca ouvi, mas algo me impulsiona a prestar atenção. - Tome cuidado com quem você é. E com o que vai se tornar.

Dou uma risada vazia.

- O que importa quem sou diante do que fiz? O que vou me tornar... isso importa? O que acontece se eu deixar que Maori fique no trono? - mordo o lábio com força enquanto ela dirige o olhar cortante pra mim. - Como ser inquebrável se já estou em pedaços? O sangue nas minhas mãos está seco. E pertence a muitos que amo.

Continuamos andando infinitamente por Sial, caladas, quietas, emudecidas,  o Sol se levanta preguiçoso no horizonte, colorindo as paredes da mesma cor dos olhos de Ohnin.

- Não posso te dizer o que fazer, ou mandar você lutar. Só você pode escolher: justiça ou vingança; remorso ou superação; desistir ou lutar. - ela troveja com fervor. - É por isso que quero que passe alguns dias aqui. O Equilíbrio à sua volta parece girar, desmedido. Quero te ajudar, Rayrah, mas só posso se você quiser minha ajuda.

- Eu quero. - respondo no automático. - Mas eu não tenho muito tempo. - lembro do pequeno Prometheus.

- Não precisaremos de muito.

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Uhuuuu
Eu pensei em dar uma pausa, deixar o livro em hiatus mas ainda não sei.

Final de ano, provas, compromissos, estudos, amizades aaaaaa

Mas vai dar certo amém.

Um beijo e um xero

As Crônicas de Rayrah Scarlett - Esperança Em Arnlev [RETIRADA EM 25/08/22]Where stories live. Discover now