Capítulo 18

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Estou flutuando em tinta preta.

Não a sinto tocar minha pele mas estou boiando no mar de tinta. De repente a tinta preta é vermelha. Vermelho escuro como sangue.

Vermelho escuro banhando uma pedra de mármore branca.

Uma pedra de mármore branca banhada pelo sangue de uma cabeça cortada.

O sangue de uma cabeça cortada banhando a lâmina de uma foice cerimônial.

Uma foice cerimônial descansando numa pedra de mármore branca.

Banhada. De. Sangue.

Sangue escuro como tinta preta.

Abro os olhos e tomo ar desesperadamente, inalando apenas fumaça.

Meu peito está brilhando. Não. Algo dentro dele. Numa cor branca mágica, assim como da vez em que o colar negro de coração humano se materializou no meu pescoço, quando eu e Alyah fomos o Coração de Évbad juntas, pois o dela estava fraco.

Estou em posição fetal e coberta de cinzas. Há um círculo à minha volta feito dos destroços do castelo. O castelo que Maori incendiou comigo dentro.

As cenas das últimas horas passam voando pela minha mente e meus olhos lacrimejam.

- Ka-Kadash... - escapa pelos meus lábios. O que fizeram com ele?

O que fizeram com o Kadash que eu amava?

Eles o transformaram. Apagaram sua memória e o tornaram uma marionete tosca nas mãos de Maori.

Eu preferiria mil vezes que ele tivesse me atacado, tentado me matar e que me odiasse. Do que ver aquele vazio desumano e indiferente nos olhos dele.

Como se eu não existisse.

Como se ele não existisse.

As lágrimas ameaçam rolar mas eu as impeço.

Sou dominada pelo instinto de sobrevivência. Me levanto cambaleante, me perguntando como o fogo consumiu apenas minhas roupas. Estou coberta de sangue, fuligem e cinzas, cheiro à fumaça.

Me pergunto quanto tempo passei desacordada até o castelo queimar e ruir. À minha volta os destroços são intermináveis, há corpos desfigurados pelas chamas e um cheiro horrível e nauseante de morte. Acredito que foi o poder da Genus Lapis que me manteve viva, como o Coração Pulsante, impedindo que todos de Évbad morressem comigo.

Começo a correr. Pela simples incapacidade de permanecer parada, lembrando que em pouco tempo, se é que já não aconteceu, eu serei declarada uma ameaça ao Estado.

Minha cabeça vai estar a prêmio de quem tirá-la do meu pescoço.

Corro pelos limites da propriedade do castelo, nua, suja, exaurida e perdida. Não sei para onde ir e minha mente está na mais completa confusão. O silêncio mortal que se estende por quilômetros não ajuda.

O primeiro pensamento racional que vem a minha mente é: tenho que encontrar Lince.

Corro desviando dos destroços, levanto uma poeira de cinzas a cada passo. Minha respiração ofegante.

Não eu não posso encontrar, Lince.

Paro de correr.

Como eu diria a ela que levaram Linda, Nona e Marco? E que eu matei Prometheus? Se eu for, posso colocá-la em perigo também.

Lince ficará melhor sem mim. Todos naquele navio vão sobreviver se eu não for. Não posso colocá-los em risco.

Não posso colocar mais alguém em perigo.

As Crônicas de Rayrah Scarlett - Esperança Em Arnlev [RETIRADA EM 25/08/22]Where stories live. Discover now