Capítulo 30 - P.O.V - Kadash II

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A porta se abre vagarosamente, eu escondo os meus últimos desenhos rapidamente debaixo do colchão. Não quero que eles saibam, não sei o porquê, mas algo me diz que se souberem, algo muito ruim vai acontecer.

Essa noite eu sonhei novamente. Foi tão estranho.

Eles me disseram que eu não podia sonhar com coisas reais porque não tinha lembranças. Que todos os meus sonhos são frutos da minha imaginação no meu subconsciente que tenta preencher os espaços vazios com acontecimentos falsos.

Mas aquele não podia ser irreal. Mesmo que fosse, algumas partes eram. Eu tenho certeza.

Eu estava com um smoking de cor vinho. Andando lentamente por um corredor dourado. Eu começava a correr, porque via alguma coisa no final do corredor. Então eu alcançava alguém, a segurava. No momento em que ela se virava para mim, podia vê-la. Os cabelos brancos, a pele negra como ônix, os olhos verdes como esmeraldas. A garota dos meus desenhos. Então eu acordei.

Eu sei que isso não pode ter sido apenas um sonho.

Uma moça de branco entra no quarto. Ela tem cabelos pretos e um sorriso largo. Quase nunca conversa comigo, se limita a frases curtas e trabalho rápido. Mas tudo bem, não é a função dela. É estranho porque eu sei que toda semana ela vem e há um lapso estranho na minha memória como um vazio, sobre o tempo que ela passa aqui.

- Bom dia, Kadash. - ela diz e põe a minha bandeja de café da manhã em cima da cômoda. A bandeja é um ponto em destaque nesse quarto todo branco. É de manhã e ela trouxe panquecas. Eu gosto.

Eles me disseram aquele nome há dois dias, Kadash, parece que vou precisar dele no futuro. Eu não gostei muito pra falar a verdade.

- Bom dia. - digo com um sorriso, ainda não sei o nome dela. Eu sempre sorrio em todas as sessões, para todos os médicos. Faz parecer que não tem nada errado comigo e que eles não precisam se preocupar. Eu não gosto quando eles se preocupam. Mas também não sei o que acontece.

- Trouxe o seu café da manhã. - ela sempre traz e temos sempre o mesmo diálogo. Um dia, vou perguntar o seu nome.

- Obrigado.

- Abaixe a cabeça, por favor. - ela pede e eu faço, deixando minha nuca à mostra. Vejo por entre as mechas loiras quando ela pega a seringa e verifica. A seringa é diferente por assim dizer, ela tem dois tubos cilindricos transparentes no lugar da agulha.

Fecho os olhos e espero, a enfermeira encaixa os tubos pouco abaixo dos meus cabelos, bem no córtex-cerebral. Eu sei que quando eu acordei há algumas semanas, tinha alguma coisa aqui, eu passei os dedos algumas vezes, é circular e frio, como uma peça de metal.

Sinto o líquido gelado lentamente entrando no meu corpo. Primeiro começa assim: frio, agonizante. Depois sinto a minha cabeça começar a doer e os meus olhos arderem. É como se preensassem minha cabeça contra o chão com uma marreta.

A dor se torna tão forte que eu não consigo suportar. Os gritos saem da minha garganta com tanta força e não abafam a dor. Parece que a minha garganta vai rasgar e que a minha cabeça está se partindo em dois. Ponho as mãos sobre as orelhas, tentando suprimir, tentando parar.

Uma dezena de rostos passa pela minha mente. Como se as minhas memórias fossem jogadas em um liquidificador na velocidade de um tornado. A dor diminui a medida que as lembranças aumentam.

Vejo uma senhora loira. Um garoto ruivo. Um menininho loiro bem pequeno. Uma garota ruiva. Um homem velho e abatido. Uma mulher negra com uma coroa. Uma garotinha de olhos negros. Um homem alto de uniforme. Um homem de espada. Uma garota com uma arma apontada para o meu rosto. Uma senhora de cabelos grisalhos. Um homem. Uma mulher. Uma garotinha. Um menininho. Um bebê. Uma mulher. Um garoto. Um idoso. Uma garota de cabelos brancos.

As Crônicas de Rayrah Scarlett - Esperança Em Arnlev [RETIRADA EM 25/08/22]Where stories live. Discover now