Os Arcanos

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Já fazia meses que estavam naquela clareira. Já tinham tornado aquele lugar um lar, mas ainda assim, sentiam falta de casa.

O pior era saber que ela estava só a alguns quilômetros a oeste. Era só seguir a coluna de fumaça. Todos eram jovens demais para cuidar de si mesmos, mas sabiam o que aquela coluna de fumaça negra significava.
Seus pais se foram, e suas casas provavelmente caíram, junto com a vila. A guerra era assim. Derrubava reis e desolava até o mais gentil dos homens, ou a mais pura criança.

De todas as crianças da vila, essas eram as únicas sete que conseguiram fugir, e foi muito difícil para todas evitar a tentação de voltar pra casa, pelo menos nas primeiras semanas. Mas isso foi a muito tempo, agora, já estavam acostumados a ficar ali. A floresta não era um lugar tão ruim, se você ficasse por tempo o bastante para aprender suas regras.

Cada um tinha sua tarefa, um pescava, outro tentava caçar, normalmente sem sucesso, um pegava galhos para a fogueira, um cozinhava, dois ficavam para cuidar do abrigo, e um circulava a clareira, para pegar animais indefesos, ou avisar ao grupo se encontrasse algum soldado.

Era uma vida simples. E com o tempo, eles aprenderam a amar aquela clareira, e o rio que a cruzava.

Um dia Sum, o pescador do grupo, entrou no rio, como o fazia todos os dias. Enquanto se aproximava do centro do rio, notou que a água ficou quente sem motivo. Ele olhou de relance para a água, Mas ao invés de ver seu reflexo, ele viu a figura de um homem de barba grossa, com uma postura altiva, e um olhar de sabedoria. A figura chamou seu nome, e disse que ele e seus amigos foram convocados. Foi tudo que ele ouviu, antes da água tremeluzir, esfriar, e Sum voltar a ver o seu reflexo. Pouco tempo depois, ele pescou o maior peixe que já viu. Tinha quase um metro e meio de tamanho, e mais de meio metro de diâmetro. Ele teve que pedir ajuda de outras duas crianças para tirá-lo do rio.

Eles comeram o peixe no almoço e no jantar, e assim que terminaram de comer, dormiram satisfeitos. Foi uma boa noite, algo que não se repetiria em um bom tempo...

Foi um grito que acordou a maioria deles.

Eles se levantaram assustados, e olharam em volta, em busca da origem do grito.

Mas... Que lugar era aquele?

O abrigo sumiu. Eles estavam dentro de uma floresta, com árvores pequenas, que iam até 3 metros, até árvores descomunais, que iam mais alto do que poderiam contar. Fios de luz surgiam e sumiam com o balançar das folhas, mas via de regra, era sempre escuro. O ar parecia pesado, e dava uma sensação estranha no peito quando respiravam.

Eles se entreolharam, e fizeram uma contagem de cabeças. Quando ouviram o grito de novo, todos já sabiam que Sum era quem gritava.

Todos correram na direção do grito, e viram na sombra Sum sendo puxado pela perna por um animal, que só podiam ver os olhos amarelos, que pareciam de um lobo. Sum se agarrou a uma raiz de árvore, e os outros correram para ajudá-lo.

Como se tivessem surgido das sombras, outros lobos surgiram, medindo pelo menos um metro de altura, ainda sob quatro patas. Já é assustador o suficiente para adultos, mas para crianças... Eles eram aterradores.
Os lobos pegaram mais duas crianças, e sumiram nas sombras. Eles olharam em volta assustados, mas não foram rápidos o bastante para notar duas corujas que mergulharam, e pegaram mais dois, sumindo pelas sombras.

Só sobraram dois... Eles se entreolharam, assustados, mas o grito de Sum os acordaram.
A raiz que ele segurava se moveu, literalmente saindo do chão. A árvore inteira se desprendeu, como se ficasse de pé. Sem a raiz, o lobo o levou embora.

Os dois prenderam a respiração. Eles começaram a recuar inconscientemente, mas bateram as costas em uma árvore, que os abraçou com os galhos, e tomou seu rumo, levando os dois.

...

Sum acordou em uma pequena casa de barro, cujo teto era uma árvore. As raízes se espalhavam pela casa até certa altura, onde eram podadas.

Pouco tempo depois, uma pessoa surgiu. Bom, parecia uma pessoa, mas era diferente, mais alta que o normal, mais forte que o normal, e as mãos eram estranhas. Seu corpo parecia mais com um urso do que com uma pessoa. Seu rosto também era diferente, mais animalesco, maxilar mais largo, boca maior e olhos muito grandes, mas a barba escondia boa parte disso. Uma barba familiar, na verdade.

Sum identificou o homem como o reflexo na água, dessa vez mais nítido, e mais assustador. Ele se sentou em uma cadeira próxima a cama onde Sum estava, lhe pediu desculpas pela falta de tato dos animais, e lhe explicou o porquê deles estarem ali.

Seu nome era Nut, e por muito tempo ele foi o protetor e fiel amigo de Tūr. Tūr era um dos quatro Mana, os espíritos arcanos. Eles inventaram a magia arcana, com o propósito de trazer ordem para o mundo em que viviam. Assim, eles se tornaram Vae, o espírito da luz, Sot, o espírito da água, Hon, o espírito do vento, e Tūr, o espírito da natureza.

Os quatro Mana foram de extrema importância, pois eles modelaram o mundo, mas eles sempre discordaram sobre como o mundo deveria ser. Essa divergência quase se tornou uma guerra, mas eles sabiam ser poderosos demais, e que uma batalha entre eles resultaria em uma destruição sem precedentes. Então, eles se separaram, e criaram os quatro reinos.

Tūr sempre foi gentil, mas era meticuloso e por isso, ele chamou Nut e outros dois como seus protetores. Não que ele precisasse, mas para ter boas noites de sono, e não ter que lutar usando suas próprias forças.

Mas Tūr ficou velho, e sabia que quando partisse, a magia arcana morreria com ele. Então, seus protetores e amigos, se tornaram seus pupilos, e os sucessores da magia arcana. E assim, surgiu a segunda geração dos Mana.

O tempo passou, e os Mana originais se foram. Eles queriam ficar de luto por seu mestre, mas não tiveram tempo. Por mais que tivessem aprendido muito, eles não  se tornaram tão fortes quanto os Mana originais, então, a segunda geração não tinha um motivo válido para evitar a guerra.

E assim foi. Por trinta anos a guerra se espalhou pelos quatro reinos. No começo, era só um conjunto de crianças brigando a toa, mas algo curioso acontece durante a guerra. A necessidade por força leva os soldados a se tornarem mais fortes, e em trinta anos, eles superaram a força que seus mestres cultivaram por quase dois séculos.
Mas a guerra também leva ao ódio, e ao rancor. E nenhum dos Mana estavam dispostos a aceitar uma trégua.

Por isso, eles optaram por algo mais radical. Cada Mana convocaria seus campeões, e os treinariam. E, em um ano, eles lutariam entre si, em uma batalha que decidirá o lado vitorioso.

Por isso eles estavam ali. Aquelas sete crianças seriam a terceira geração dos Mana, os herdeiros de Tūr. E deles seria a responsabilidade de curar um mundo da guerra.


Como foi o treino, e como terminou a chamada Batalha dos trinta anos, está escrito nos livros de história, de um mundo que você nunca verá. Mas aqui, pode encontrar a história dos sete adolescentes, e como eles colocaram fim a guerra que destruiu seu lar.

Aqui você ouve sobre seus feitos, e seus nomes são cantados em canções. Aqui, você lê sobre suas magias e feitiços, e pode aproveitar o mundo que eles criaram.

Aqui, você conhece a história... não dos Mana, ou dos espíritos da natureza... mas a história dos Arcanos: Os descobridores da magia, e os maiores magos que esse mundo já conheceu.







~ Olá, meus caros leitores! Esse conto ficou um pouco maior que a média, mas espero que tenham gostado.

Já conhecem o esquema: se gostaram, deem seu voto, e se quiserem uma continuação, só fazer um comentário pedindo hehehe.

Espero que tenham uma boa semana, a partir de agora as publicações serão na sexta-feira, lá pras 18, então... nos vemos sexta que vem! ~

A Taberna Dos SussurrosWhere stories live. Discover now