O Caminho

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As vezes, entre as multidões, se sobressaem os extraordinários. E a verdade é que muitos sonham em ser extraordinários, mas lhes falta algo. Algo que os empurra, e que os mantém segundo em frente. Algo que os motive, e os façam ver a diferença entre imaginar e sonhar.

A diferença entre os ordinários e os extraordinários, é a determinação. E enquanto as pessoas comuns são como brasas, que se acendem e apagam com o soprar do vento, os extraordinários tem um coração como uma fornalha, capaz de transformar areia amarela em vidro transparente, e derreter até mesmo o mais puro ouro.

E de todos, esse homem era o mais extraordinário. Você saberia o seu nome, se ele assim permitisse. Mas ele nunca permitiu, e assim, acabou por se tornar uma das maiores icognitas que já existiram. Na ausência de seu verdadeiro nome, ele é conhecido pelo título, que apenas ele conseguiu conquistar.

O colecionador de sussurros.

Mas ele nem sempre foi uma lenda. Ele era apenas um contador de histórias como qualquer outro, até um dia, simplesmente desaparecer. Passou mais de um ano em busca de uma forma de guardar um sussurro, para nunca perder uma história. Mas quando ele finalmente descobriu um meio, encontrou histórias fragmentadas, com suas verdadeiras essências perdidas pelo tempo.

Não era o bastante para o jovem contador. Fragmentos não podiam ser o bastante. Então, ele partiu em busca de um mistério, que ele ouviu em um dos sussurros que guardava consigo. Ele partiu em busca da própria verdade, e do conhecimento. Para que, de alguma forma, ele usasse a verdade para descobrir o que acontece entre os sussurros, e torná-los histórias completas de novo.

E assim, lá estava o jovem colecionador, vagando no meio do deserto, em busca de algo que não sabia como encontrar. Usava roupas grossas de couro puídas, uma pequena bolsa, onde já houve comida e água, e uma garrafa de saquê.
Também usava consigo cachecol velho e sem cor, por baixo de um manto com capuz, que recebeu de presente de um misterioso mercador. Um manto que nunca ficaria gasto, enquanto seu portador estivesse vivo. O pano era um couro grosso e forte, de cor marrom claro. Talvez já tivesse sido de outra cor, mas depois de meses andando pelo deserto, tudo tinha cor de areia.

Era um manto estranho. Apesar de grosso, ele voava fácil com o vento, na verdade, ele voava independentemente de vento, como se não se permitisse ficar parado, e sua natureza mudava de acordo com o que o colecionador fazia.

Ele estava subindo mais uma duna qualquer, como fazia há meses, e quando chegou ao cume, notou tarde demais a tempestade de areia que vinha em sua direção. Ele primeiro olhou em volta, tentando encontrar um lugar para se proteger, ou um meio de evitar a tempestade. Mas não havia nenhum, então, ele puxou o cachecol até o rosto, cobrindo a boca e nariz, e puxou o capuz do manto mais para baixo, protegendo os olhos, e acabou se pegando olhando para as mãos. As cores e forma originais eram uma lembrança tão antiga, que o jovem colecionador nem se lembrava mais como eram. Agora, ele olhava para as mãos cor de areia, magras e ressecadas, cobertas por ataduras e tiras de couro, como se elas tivessem nascido assim.

Ainda assim, suas mãos o incomodavam. Não pelas pequenas cicatrizes que ele adquiriu ao longo do ano em que aprendeu a colecionar sussurros, mas pelo aspecto. Suas mãos passavam uma impressão sombria, uma impressão de "morte".

Seu manto ficou um pouco mais pesado e curto, quando o colecionador se perguntou se eram apenas suas mãos que tinham esse aspecto, ou se ele por inteiro estava assim.

Mas o vento o acordou de seu transe. O manto recuperou sua leveza e tamanho original, e o colecionador checou suas roupas, em busca de algo mal amarrado.

Horas se passaram, e o colecionador seguia seu caminho pela tempestade, lutando contra o vento. Mais horas se passaram, e ele continuava a andar, usando a mão como barreira entre a areia e seus olhos. Mais horas se passaram e a noite começou a cair. Já é perigoso o suficiente estar em uma tempestade de areia sob o sol ardente, mas em uma noite congelante, é praticamente suicídio.

A Taberna Dos SussurrosWhere stories live. Discover now