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    Seulgi não estava no ponto de ônibus na manhã seguinte. Não apareceu até a aula depois do intervalo, na verdade. Não me surpreenderia se ela estivesse dando uns amassos com Jaebeom no armário do zelador, mas era impossível dizer com base em sua aparência perfeita quando chegou na sala. Seu cabelo estava amarrado num rabo de cavalo alto e as pernas à mostra pela saia do uniforme.

   Naturalmente, ela sentou na mesa ao meu lado, e eu acompanhei cada um de seus movimentos com o canto da minha visão, me negando a virar o rosto em sua direção.

    Enrolei uma mecha de cabelo no indicador, relembrando o dia em que nos conhecemos. Meu peito apertou.

    Eu tinha nove anos e estava me mudando para a cidade. Lembro de meus pais carregando algumas caixas para dentro da casa nova, enquanto eu desenhava, sentada na calçada.

    Os giz de cera estavam espalhados ao meu redor e eu tentava escolher que cor usar no vestido da fada, quando um berreiro me chamou a atenção. Um bando de crianças corria ao redor de uma pipa. Uma delas era uma garotinha de cabelo escuro montada numa bicicleta.

    Seulgi sempre gostou de veículos de duas rodas.

    Em alguma oportunidade ela me contou que a sensação de liberdade era muito maior do que num carro, confinado entre paredes de metal, e a velocidade é sentida com muita mais intensidade.

    A menina derrapou na minha frente, e as outras crianças seguiram seu rumo animadas. Seu corpo fazia sombra sobre o caderno, mas desde que ela assumira sua posição eu não tivera coragem de olhar para cima novamente.

    Até que ela disse:

- Você quer sorvete?

    Franzi as sobrancelhas e a encarei.

- Sorvete?

- É. Você tem cara de quem gosta de sorvete de morango.

    Torci o nariz e neguei com a cabeça.

- Eu gosto do de banana.

- Fechou! Volto em cinco minutos.

    Não dei muito crédito, mas Seulgi cumpriu o que disse, e em cinco minutos estava de volta com uma casquinha de banana.

   Sinceramente, não prestei atenção em como ela tinha equilibrado ambos sorvetes sobre um par de rodas, embora com o tempo minha melhor amiga provou diversas vezes que seria capaz de fazer qualquer maluquice impossível pra trazer um sorriso ao meu rosto.

    Ela me entregou o doce e sentou ao meu lado, esticando bem as pernas.

- Sabe, você vai ter que me dar esse desenho como agradecimento. – resmungou, cutucando a bicicleta largada com o pé.

- Por que eu faria isso? – simpatia nunca foi realmente meu forte. Talvez por isso Seulgi foi minha primeira amizade: ela foi a única que se deu o trabalho de insistir em ver o que tinha por baixo da minha carranca.

- Porque é isso que amigas fazem.

- Tá bem.

    E simples assim, quando meus pais saíram da casa alguns minutos depois, nós já éramos Son Seungwan e Kang Seulgi.

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   Senti minha amiga me cutucar algumas vezes no braço durante a aula, mas fiz questão de manter minha expressão neutra e continuar copiando o conteúdo. Eu certamente amoleceria em algum momento, mas por enquanto estava me saindo bem em ignorá-la.

    Nunca antes tinha feito isso, na verdade. Sempre foi fácil estar bem com Seulgi porque eu nunca precisei engolir nenhuma mancada de parte dela. A morena sabia me fazer rir e é a pessoa mais leal que conheço. Por mais sociável que fosse, eu nunca me preocupei com que ela decidisse largar o posto de minha melhor amiga. Nós éramos Son Seungwan e Kang Seulgi.

    O problema real é que ela não tinha dado mancada alguma. Não havia nada de errado em Seulgi ter um namorado, ou como quer que ela chamasse Jaebeom. A culpa era minha por ter ciúmes.

    A culpa era minha por querer pular sobre ela e beijá-la até perder o fôlego. A culpa era minha por pretender reciprocidade de setimentos que nunca existiriam.

    Ainda assim, quando na aula seguinte, no laboratório de biologia, Kim Yerim perguntou se queria ser sua dupla, ignorei o olhar confuso de Seulgi e aceitei.

sleepover - seuldy/wenseulOnde histórias criam vida. Descubra agora