Parte 4/10 - Prisão

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Me ergui nas pontas dos pés para ver através das janelas nas portas, as quatro criaturas ainda estavam lá fora, mas agora estavam paradas, as mãos enluvadas pendiam ao lado dos corpos escondidos pelos sobretudos. Mas os quatro olhos continuavam direcionados para mim, desejando a minha inexistência. Um calafrio percorreu meu corpo. Me afastei da porta.

— Eles não podem entrar nos estabelecimentos – concluí.

Estava tocando uma música agitada agora, uma balada retrô.

— O que são aquelas coisas? - perguntou Débora, ofegante.

— É o que vamos descobrir.

Então ela percebeu onde estávamos, e vi a preocupação se esvaindo de seus olhos, como se a situação dramática vivenciada há pouco tivesse ocorrido há muito tempo. Ela olhou para as pessoas na pista de dança com a boca entreaberta. O carnaval de luzes corria para todos os lados, como uma chuva louca de estrelas cadentes.

— Eu estava aqui antes de te encontrar – falei alto o bastante para que ela me ouvisse acima do volume da música e, ainda assim, era mais fácil ser ouvida ali dentro do que lá fora.

— Puxa vida, eu acho que nunca estive em um lugar desses. – Ela olhava para todos os lados, tentando absorver tudo. – Parece tão divertido. Tão... esplêndido.

Ela me olhou com um rosto que esbanjava felicidade, parecia uma criança.

— Mas não se deixe enganar, Débora. Esse lugar vai usar tudo que tem para te fazer escolher a primeira saída. – Me aproximei dela e segurei sua mão. – Vem, vou te apresentar ao cara que mencionei.

— Está bem – ela disse, os olhos distraídos pela música.

Nós entramos no meio da multidão e caminhamos na direção do bar, eu nem conseguia avistá-lo dali. Passamos pela escada em espiral, vazia e esquecida. Eu senti o feitiço sorrateiro da música tentando invadir minha mente, mais forte do que nunca, cheia de intenções vingativas, ofendida por tê-la abandonado. Era difícil abrir caminho pelas pessoas com Débora atrás, ela parecia fascinada por tudo que via e ouvia.

Por um momento me perguntei se não havia sido um erro voltar até aquele lugar, mas agora era tarde demais para retornar. Agora eu já sentia o som tecendo uma teia à nossa volta com suas linhas de frequência, ele queria nos tirar do caminho, nos levando para o centro da pista de dança, para o centro da teia.

De repente eu já não sabia em qual direção ficava o bar, para qualquer lugar que olhasse só havia um mar escuro de pessoas dançando, animadas e inconscientes. Uma chama de desespero quis se incendiar dentro de mim, mas a música o apagou imediatamente. 

Eu pisquei um pouco, a vontade de me juntar à multidão começou a se tornar insuportável.

— Ei, vocês duas – disse alguém –, vão desperdiçar essa música caminhando? É a melhor que ouço em dias. Por que não aproveitam?

Débora parou, olhou para o estranho e depois para mim com ar de dúvida.

— É, Elie, por que não podemos ficar aqui só um pouco? Quando a música acabar nós podemos ir aonde você quiser. – Ela olhou com desejo para as pessoas dançando. – Eu sempre me sentia tão velha quando estava viva, disso eu me lembro.

A música parecia incentivar meu sentimento de pena.

— Tem certeza? – perguntei. – De que quer dançar?

A Cidade do SilêncioOù les histoires vivent. Découvrez maintenant