Parte 5/10 - Seleção Sobrenatural

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Tirei a mão direita da caneta, agora apagada e sem vida. A música tinha mudado, me esperando durante todo aquele tempo. Quanto tempo? Eu tinha riscado a mesa enquanto estava sob efeito da lembrança, letras rabiscadas com tinta azul mostravam um "tem certeza?".

Acho que não. Era essa a resposta que todos queriam ouvir. Era isso que a música queria.

— Boa tentativa – eu disse, olhando para a caneta com desprezo –, mas agora eu destruí o seu brilho. – O som em meus ouvidos ficou mais alto. – Essas lembranças não me fazem querer voltar. É exatamente como eu pensei, repleto de dor e vergonha. Eu era um lixo. Mas agora olhe para mim, este lugar quer que eu permaneça nele, e é isso que eu quero também.

Peguei o copo de bebida ao lado e tomei as últimas gotas. Virei-me e deixei a caneta para trás, esquecida e derrotada. A música me abraçou com força, suas batidas pulsantes, cheias de prazer violento. Agora nada podia nos atrapalhar. Em algum momento eu realmente quis saber quem eu era? Estava óbvio desde a primeira lembrança que eu não era uma pessoa boa. E agora todas as lembranças seriam eliminadas.

Que tipo de pessoa ia para a prisão?

Me juntei à pista de dança com movimentos ainda mais intensos, duas pessoas juntaram-se bem próximas a mim, atraídas pelo desejo de se render, se entregando totalmente. Elas já não tinham os braços e havia apenas um vazio do lado esquerdo do peito, a inexistência avançando rapidamente. Nós éramos aleijados sem controle sobre nossos corpos. A escuridão em meu braço esquerdo agora subia até o ombro, me consumindo junto com todo aquele lugar, e era isso que eu desejava.

Se a música parasse, eu enlouqueceria.

Eu já nem precisava de mais bebida. Meus sentidos se limitavam à audição e à visão. Esta última ficando cada vez mais fraca. A escuridão se adensando. Tudo ficando cada vez mais distante. Tão distante...

As batidas eram da música ou de um coração que queria morrer?

As duas pessoas não estavam mais ali.

Vamos, vamos dançar até desaparecer. A matéria quer voltar ao seu estado natural. Para sua origem. Para a inexistência. Para o pó. Para o nada.

Eu não era nada.

Nada.

Ergui minha cabeça, meu corpo nunca parava.

Tive a impressão de estar sendo observada. Ah, sim, o olho no céu estava me observando, mesmo através daquele teto escuro e estranho.

O olho.

O Esquecimento. O Oblívio.

Nada.

O vazio estava vindo de dentro para fora. A pupila se dilatando. A escuridão se espalhando.

Nada... Nada... Nada...

Venha... – chamou a voz apática.

A voz que cantava ecoava... ecoava... ecoava...

Tudo estava tão lento agora. Tão distante... inalcançável.

O globo de luz estava girando...

Vamos cair pela última vez e, dessa vez, de verdade, apenas o nada vai estar me esperando. É uma promessa.

Todas as luzes estavam girando lentamente, em espiral.

A Cidade do SilêncioWhere stories live. Discover now