Os três cachorros do senhor Heitor

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Quando Zé Luiz apareceu morto, atrás do banco da pracinha, a cidade toda correu para ver. Até aí, nenhuma novidade. Cidade pequena é assim mesmo. Morte é sempre notícia. Todo mundo
quer olhar, dar palpite, fazer comentários e, no fundo, dar graças a Deus porque não foi ninguém da própria família. Quanto pior a desgraça, mais a cidade se agita. E, naquela manhã de vinte e nove de outubro, a pracinha parecia um formigueiro. Veio gente até dos sítios e fazendas vizinhas. Todo mundo queria ver o pequeno cadáver.

Era mesmo impressionante. No chão, sobre o gramado, estava caído o corpo de um menino clarinho, franzino, de cerca de dez anos. Todos o conheciam. Era Zé Luiz, o mesmo que vivia correndo para cima e para baixo pela cidade inteira, até de noite, porque não temia nada, nem alma penada nem ladrão e bandido.

Mas, agora, o rosto de Zé só mostrava medo. Os olhos arregalados, a boca totalmente aberta, os dedos das mãos crispados. Quem o visse podia jurar que ele tinha morrido de susto.

A multidão se revezava para espiar o morto, e cada um saía dando seu palpite sobre o evento misterioso. O corpo não apresentava nenhum ferimento. Até onde se soubesse, o menino
não tinha doença nenhuma. Só uma coisa era certa: ele deve ter visto uma coisa terrível antes de morrer.

Uma menina bem pequena, de cerca de cinco anos, se esgueirou por entre as pernas dos curiosos e chegou bem perto do corpo caído. Foi ela quem observou as marcas de dentes nos braços e no pescoço do mortinho.

— Um cachorro mordeu o Zé — anunciou ela.

Fez-se um silêncio repentino na praça. Quem estava perto agachou-se para ver melhor. A menina tinha razão. Eram três marcas de mordida: nos dois braços e no pescoço. Pareciam
produzidas por dentes de cachorro.

* * *

O corpo foi enviado para a cidade vizinha porque em Bambuzal não havia Instituto Médico Legal para fazer a autópsia. Três dias depois, chegou o resultado. Zé Luiz tinha sofrido uma parada
cardíaca, possivelmente provocada por fortíssima emoção, já que não era portador de nenhuma cardiopatia anterior. As marcas de
mordida eram muito superficiais, não tinham chegado a ferir a pele. Aparentemente, não tinham ligação com o óbito.

* * *

À noite, Marcelo, Tito e Rosana reuniram-se na pracinha, como faziam sempre. Tinham treze anos e conheciam Zé Luiz. O assunto, como não podia deixar de ser, era a morte misteriosa. Ou
o assassinato, como suspeitavam.

— Foi bem ali que ele foi encontrado — apontou Rosana.

Foram até o local, um dos menos iluminados da praça. A lua já começava a minguar, mas ainda refletia luz suficiente para que pudessem observar o gramado. Mas não havia nada ali que
pudesse ser encontrado. Só o canteiro de plantas, agora um pouco amassado. Além disso, nenhum deles tinha a menor vocação para detetive. Só queriam entender a morte do colega.

— Esse lugar me dá arrepios — comentou Tito.

Não era para menos. Um vento gelado começava a soprar, levantando do chão algumas folhas secas e balançando suavemente os galhos das árvores.

— Vamos sair daqui — sugeriu Rosana.

Ninguém protestou.

Foram caminhando em silêncio pelas ruas já escuras.

Afastaram-se do centro e continuaram a andar, sem muita noção de para onde ir, só para respirar  o ar da noite, cansar o corpo e chamar o sono. Foi Marcelo quem reparou primeiro.

— Alguém se mudou para a casa de dona Zezé...

A casa de dona Zezé era considerada assombrada pelos moradores da região. A mulher era uma velha meio doida, que vivia trancada
com oito cachorros. As janelas ficavam sempre fechadas, e a porta raramente se abria.

Sete ossos e uma maldiçãoWhere stories live. Discover now