O fruto da figueira velha

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Denise não acreditava em casa mal-assombrada. "Não há nada que dez baldes de tinta fresca não resolvam", costumava dizer. Além disso, ficou louca quando viu o casarão à venda. Era simplesmente espetacular. Tinha um excelente terreno para fazer jardim e quintal, três salas imensas, cinco quartos, três banheiros e vários cômodos que poderiam ser adaptados. O lugar perfeito para uma recém-casada que pretendia ter muitos filhos.

Velha era, até demais. Exigiria um bocado de reformas. Mas o preço era incrivelmente baixo. Jamais conseguiria comprar uma casa daquelas tão barato.

Não foi difícil convencer o noivo a trocar o sonho de um pequeno apartamento de sala e quarto por uma mansão maravilhosa. Compraram o imóvel e levaram um ano inteiro fazendo obras. Ao fim do período, tinham uma casa simplesmente deslumbrante. A antiga faixada descascada agora exibia uma alegre pintura amarela. Portas, janelas e pisos tinham sido recuperados. Cômodos que antes cheiravam a mofo, deixavam passar fartas lufadas de ar fresco. Canteiros de flores e ervas aromáticas substituíam o terreno baldio que antes rodeava a casa. Tinham capinado e replantado tudo.

Denise só manteve uma antiga figueira. Era simplesmente magnífica com seu tronco forte e uma profusão de galhos. Quem chegasse à casa, veria, em primeiro lugar, a figueira, que reinava, soberana, na entrada. Em seguida, prestaria atenção à moradia impecavelmente reformada.

Agora ali, tudo era calmo, colorido e cheirava bem.

* * *

Verdade que a vizinhança ainda evitava o lugar. Até mesmo o carteiro relutava em se aproximar. Mas nada impediu o jovem casal de mudar-se para lá logo após a lua-de-mel.

Denise ainda se lembrava bem do dia da mudança, os dois pegando carona no caminhão e olhando as ruas com uma curiosidade infantil. Foi nessa ocasião que ela reparou na igrejinha que ficava a poucos quarteirões da casa. Uma graça. Apesar de sua arquitetura antiguinha, era obviamente nova, com a pintura ainda fresca e um sino que ainda reluzia.

Denise e Tiago capricharam na primeira noite que passaram na nova residência. Montaram uma bela mesa no jardim e serviram ali um jantar especial, com toalhas bordadas, talheres novos, flores e velas.

Apaixonados, o casal tomou uma taça de champanhe enquanto admirava a propriedade e engolia a comida feita por eles mesmos — que nem estava tão boa assim, mas nem ligaram.

Nenhum dos dois era bom cozinheiro. O romantismo era suficiente para ignorarem o bife duro e o arroz mal cozido. Mas, na hora da sobremesa, foi impossível engolir o pudim. Feito com todo o amor do mundo — mas nenhuma técnica culinária —, foi deixado de lado logo depois da primeira colherada. Estava intragável.

O jeito era rir do desastre. Rir muito, jogando a cabeça para trás, olhando a lua e dando muitos beijos.

Foi assim, com a cabeça jogada para trás e plena felicidade, que Denise percebeu que a figueira estava repleta de frutos. À luz do luar, os figos brilhavam, cintilantes e convidativos.

Nem pestanejou. Correu para a árvore e colheu o mais bonito. Seria a sobremesa certa para aquela noite perfeita — só estragada por um errinho de nada na receita do pudim. Voltou para a mesa rindo e mordendo a fruta. Estava deliciosa. Madura, carnuda e doce como a melhor das sobremesas. Comeu uma metade, deu a outra ao marido, e foram dormir.

* * *

Nada explicaria o terrível pesadelo daquela noite. A brisa estava fresca, o quarto arejado, os lençóis eram novos e macios, o jantar tinha sido leve e ela estava muito feliz. Tratava-se de uma realidade tão perfeita que era consigo mesma que Denise sonhava. Sonhava que estava dormindo em sua casa nova, ao lado de seu marido, depois de um alegre jantar no jardim.

Sete ossos e uma maldiçãoWhere stories live. Discover now